Atenção com linhas de pipa: O perigo está no ar

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JOSÉ ALEXANDER DE ALBUQUERQUE FREIXO

O número de “pipas” ou “papagaios” nos céus das cidades, principalmente nas áreas periféricas das metrópoles e no litoral, cresce consideravelmente nos meses de férias escolares. Muitas dessas pipas utilizam “cerol” nas linhas, uma mistura de cola com vidro moído, usado com o objetivo de cortar outras pipas, porém esta prática já lesionou e matou várias pessoas, principalmente motociclistas.

Outra variável, com o mesmo potencial ofensivo do cerol, é a “linha chilena”, que utiliza quartzo moído e óxido de alumínio e tornou-se popular no Brasil devido à facilidade de comercialização.

Mesmo com a iniciativa de alguns Estados e Municípios proibindo o uso do cerol e de produtos semelhantes, esta prática ainda é comum. No âmbito Federal o Projeto de Lei n° 402/2011 ainda tramita na Câmara dos Deputados.

Na aviação, o risco também é grande, sobretudo na aviação de Segurança Pública, por suas características de voo a baixa altura, pousos e decolagens em áreas não homologadas e exposição de tripulantes, visto que grande parte dos voos é realizado com as portas abertas.

Em São Paulo, vários helicópteros da aviação civil sofreram danos resultantes do contato de componentes com linhas de pipa com “cerol”. Pás dos rotores principal e de cauda e esquis são os principais afetados, muitas vezes chegando a “condenação” e consequente substituição.

Casos mais graves ocorreram em 1997, em Brasília-DF e 1998 em Indaiatuba-SP, resultando na morte de cinco pessoas. As duas situações foram muito semelhantes, em voos de demonstração, onde, após a descida de rapel, tripulantes realizavam um deslocamento em “McGuire” e tiveram as cordas rompidas por linhas de pipa com “cerol”.

Em 1997, a aeronave modelo Bell412, transportava três Policiais Militares que caíram de uma altura aproximada de 15 metros sobre residências, falecendo no local. No fato ocorrido em 1998, a aeronave modelo AS350 transportava dois Policiais Militares que caíram no solo de uma altura aproximada de 30 metros, falecendo em seguida.

Em ambos acidentes, a comissão investigadora encaminhou as cordas para análise no CTA– Centro Técnico Aeroespacial, onde foi constatado a presença de elementos químicos pertencentes à composição de vidros comerciais, ou seja, a composição básica de “cerol” que reveste as linhas de pipa.

Também foram realizados ensaios em laboratório, onde tracionou-se a mesma corda, até atingir a carga de 120 kg. Após a estabilização desta carga, foi passada uma linha número 10 revestida com “cerol”. Em poucos segundos, verificou-se que a linha cortou a corda com muita facilidade.

Em 2001, também em São Paulo, o Comandante de aeronave quase perdeu um dedo quando mexia na janela de mau tempo e foi atingido por uma linha de pipa com “cerol”. A aeronave era pilotada pelo copiloto, que transportou o Comandante até o Campo de Marte, onde a equipe médica do GRPAe realizou o atendimento.

Algumas Recomendações de Segurança devem ser observadas por todos aeronavegantes a fim de prevenir acidentes ocasionados por linhas de pipa com cerol, tais como:

a) Em Operações com carga externa (clique e leia a manografia):

1. Realizar minuciosa varredura visual na área onde será realizada a operação, identificando, além de obstáculos, a presença de pipas na região; e
2. Em demonstrações ou treinamentos, a altura e distância a percorrer devem ser as mínimas possíveis. Quando possível não utilizar carga viva neste tipo de situação.

b) Nas demais operações aéreas:

1. Realizar voos a baixa altura somente quando indispensável para o cumprimento da missão, não devendo aceitar riscos desnecessários;
2. Quando do voo com as portas traseiras abertas, os Tripulantes, Enfermeiros, Médicos, Mecânicos, Passageiros e outros, devem permanecer com o corpo voltado para o interior da aeronave, evitando a exposição de membros (pernas, braços e principalmente a cabeça);
3. Caso seja identificado que houve a colisão com linha de pipa e esta tenha permanecido enroscada no helicóptero, a equipe deverá aguardar a parada total do rotor para o desembarque. Nestes casos, a equipe de manutenção deve ser avisada via rádio ou através de sinais para não se aproximar da aeronave até a parada total do rotor; e
4. Quando a tripulação dispuser de capacetes, utilizá-lo sempre com as viseiras abaixadas.


O Autor é Capitão da Polícia Militar de São Paulo, Piloto de Helicóptero, Oficial de Segurança de Voo e Especialista em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada.


16 COMENTÁRIOS

  1. Uma ÓTIMA orientação. Que tenhamos, todos, a atenção necessária para evitarmos tais acontecimentos.
    Bons voos à todos!

    Álvaro Trip.Op
    BRPAe – ARA

  2. Excelente matéria!
    Muito importante que as tripulações sempre estejam atentas a esse perigo quase invisível.
    Aqui na Base Praia Grande fizemos vários ensaios na torre de treinamento com carga externa, todos foram gravados em vídeo. A linha nº10 sem cerol, repito, sem cerol, cortou a corda de salvamento como se fosse manteiga… Imaginem a linha com cerol… Não devemos descuidar jamais…
    Parabéns mais uma vez!

  3. Parabéns ao autor.
    Muito oportuna a matéria, uma vez que estamos às vésperas das férias escolares de julho e a incidência de “pipas” aumenta consideravelmente neste período.
    Excelente matéria!!

  4. BOM DIA, JOSÉ ALEXANDER DE ALBUQUERQUE FREIXO, MUITO BOM SEU ARTIGO. Somente aqueles que tiveram a infelicidade de “encontrar uma linha com cerol” é que compreende a utilidade dessas orientações por você transmitidas.
    Diante disso, será que não podíamos fazer um apelo junto aos nossos parlamentares, agora com a reforma do Código Penal, TIPIFICAR O USO DO CEROL;
    Não se trata de criminalizar a conduta de soltar pipa, uma brincadeira milenar e saudável, o que se busca com a tipificação é tornar crime o CEROL, essa praga que ceifa vidas, não só na atividade aérea, mas também de motociclistas.
    Embora alguns Estados, como citado no artigo, já tenha tornado crime o uso do Cerol essa não é a realidade do Brasil, onde muitos estados estão inertes em relação à matéria. E mesmo os Estados que tornou crime uso do cerol, infeszlimente, tal lei é inconstitucional, pois somente a União pode legislar sobre matéria penal.não estou fazendo critica a lei estadual. Não tenho essa competência nem esse proposito.
    O que eu quero é contar com a ajuda de todos para que possamos tornar crime tal conduta TIPIFICADA NO CODIGO PENAL BRASILEIRO.
    Desde já agradeço a atenção e coloco-me a disposição para que possamos banir essa praga dissimulada de brincadeira. UMA BRINCADEIRA QUE CUSTA VIDAS. EDNEY TRIPULANTE OPERACIONAL – PMDF.(61) 7812 9436.

  5. Edney, realmente o tema é muito sério e muitas vezes esquecido. O esforço conjunto que você se refere para tornarmos o uso do cerol tipificado como crime é uma sugestão bem interessante, ainda mais para nossas Instituições (PMESP e PMDF) pois já tivemos a infelicidade de termos tripulantes operacionais mortos em virtude do rompimento de cordas por linha de pipa com cerol.
    Por enquanto, uma campanha bem atuante contra o cerol é desenvolvida pelo site http://www.cerol.com.br , a qual podemos nos unir e somarmos esforços em prol do mesmo objetivo.
    Abraço.
    Cap PMESP Freixo

  6. Prezado José Freixo,
    tive conhecimeno do caso realizando o Curso de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Fator Manutenção (ministrado pelo CENIPA) e buscando na Internet encontrei vosso artigo.
    Por ocasião do curso fui informado que nos Relatórios Finais de Investigação destes acidentes teve uma Recomenddação de Segurança de substituição dos cabos utilizados nos deslocamentos em “McGuire”, ou PENCA como chamamos na Marinha, por cabos com uma alma de aço, de forma a evitar o rompimento total do cabo.
    Estou buscando o acesso a estes relatórios para ver exatamente como foi a recomendação, mas acredito ser uma informação importante e que deva ser implementada por todos os operadores que cumprem este tipo de missão.
    Abraço, Capitão-Tenente Luz.

    IN ALIS VIS ET VIRTUS

    “A aviação sem memória está fadada ao colapso”

    • Prezado CT Jorge Luz:
      Após ler seu comentário, reli os dois relatórios finais que tive acesso, da anv Bell 412 PT-HRH da PF e o da AS350 PP-EOE do GRPAe-SP. Em ambos casos foi constatado através de análise em laboratório que a ruptura das cordas ocorreu, provavelmente, por linha de pipa com cerol.
      Na primeira ocorrência, as recomendações constantes do RF são as seguintes:
      1. Ao CTA:
      1.1.promover pesquisa quanto a necessidade de substituição/adequação do tipo de corda constante dessa ocorrência nas operações de transporte de pessoal ou de carga;
      1.2 Realizar a DIVOP dos resultados a operadores civis e militares brasileiros e estrangeiros que efetuem voo semelhante, alertando quanto a fragilidade desse tipo de corda em se romper quando, estando tracionada, estabelecer contato com material cortante, mesmo que uma simples linha com cerol.
      2. Ao DAC:
      2.1 Realizar a DIVOP dessa ocorrência aos operadores civis e militares que efetuem operação semelhante utilizando este tipo de corda.
      3. ao SERAC 6:
      3.1 Realizar vistoria de segurança……..
      4. A TODOS OPERADORES DE HELICÓPTEROS:
      4.1Ao efetuar este tipo de exercício, ou similar, os tripulantes devem estar atentos quanto a existência de pipas no setor;
      4.2 Alocar uma área específica para o treinamento de McGuire de modo a reduzir as influências externas neste tipo de operação;
      4.3 Durante as missões de treinamento, limitar a extensão dos deslocamentos em McGuire ao mínimo necessário para prover o treinamento às tripulações, reduzindo assim o tempo de exposição dos tripulantes que estão sendo transportados.
      4.4 Divulgar os fatos ….etc.etc

      Na ocorrência do PP-EOE, o RF constou as seguintes recomendações:
      1. Ao GRPAe:
      1.1 Determinar a seus tripulantes que antes de se efetuar a manobra McGuire deverá ser realizado um reconhecimento detalhado sobre as condições dos obstáculos e de pipas no setor do exercício, abortando-o se for o caso;
      1.2 Determinar que durante i brifim da missão, deverão ser abordados os cuidados necessários para que seja evitada a colisão das cordas de sustentação com qualquer obstáculo no ar, principalmente, linhas de pipa;
      1.3 Limitar a extensão e a altura dos deslocamentos em McGuire ao mínimo necessário para prover o adestramento às tripulações, reduzindo assim o tempo de exposição dos tripulantes que estão sendo transportados;
      1.4 Criar mecanismo que garanta a ampla divulgação das RSV emitidas e que certifique o seu recebimento pelos seus tripulantes.

      2. O SERAC 4 deverá:
      2.1 Realizar uma Vistoria especial de Segurança de Voo no GRPAe……
      3. O CENIPA deverá:
      3.1 Divulgar o conteúdo deste relatório aos Comandos da Marinha e do Exército, sugerindo a inclusão de procedimentos de segurança para se evitar pipas, quando da execução de “Mac Guire” nas Unidades Aéreas operadoras de helicóptero.

      Como comentado acima, não consta nestes dois Relatórios Finais qualquer menção quanto a utilização de cordas com alma de aço. Desconheço também outras ocorrências desta natureza após estes dois casos (1997 e 1998) que possam ter motivado outro estudo por parte do CENIPA ou DCTA.
      Entendo que a utilização de cordas com alma de aço possa ser uma solução para este “perigo”, porém requererá mudanças nos procedimentos operacionais, principalmente no que se refere à ancoragem na aeronave e alijamento da corda em casos de emergência.
      Caso tenha interesse, posso enviar cópia dos Relatórios Finais mencionados via e-mail.
      Abraço!
      Cap PMESP Freixo

  7. Ainda hoje, após mais de 4 anos, o projeto de lei continua sem a votação necessária para sua aprovação ou recusa. Segue o andamento do projeto, que teve sua ultima movimentação no dia 04/03/2015:

    “Apresentação do Requerimento n. 790/2015, pelo Deputado Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB), que: “Solicita inclusão na Ordem do Dia do Projeto de Lei nº 402, de 2011, que “proíbe a utilização de cerol ou produto industrializado nacional ou importado semelhante que possa ser aplicado nos fios ou linhas utilizados para manusear os brinquedos conhecidos como “pipas ou papagaios””. “

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