Operação com Carga Externa (Sling Loading) – Estudo de Caso

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Transport Safety Board of Canada – Relatório de acidente em data desconhecida, em Sept-íles, Quebec, Canadá, com aeronave Bell 206B, com duas vítimas fatais.

Durante uma breve operação de carga externa, a estrutura feita para carregar o objeto transportado se tornou instável. A caixa pendulou violentamente para frente, atingindo as pás do rotor principal. A carga voltou e os destroços gerados atingiram o rotor de cauda. Com o pêndulo e o “flapeamento” das pás, o rotor principal seccionou o rotor de cauda.

O Bell206B JetRanger caiu cerca de 4 milhas a leste do aeroporto em Sept-îles, Quebec. A Torre de controle viu uma bola de fogo, ouviu a explosão e soou o alarme. Nesse evento, o piloto e o passageiro morreram com o impacto.

O Gancho do helicóptero foi localizado a 70 metros da fuselagem apresentando marcas do impacto, o que indicou a oscilação violenta em todas as direções, particularmente para frente e para direita. O gancho foi encontrado na posição fechado.

A estrutura – caixa utilizada para colocar a carga a ser transportada dentro – foi desenhada especificamente para ser utilizada pelo helicóptero, no entanto, nenhum tripulante foi consultado sobre o assunto. Uma semana antes do acidente, a estrutura foi carregada e enganchada num helicóptero Eurocopter AStar para testes. Foi observado que, até 55 kt, a estrutura oscilava bastante, mas nesse ponto específico, de algum jeito a carga estabilizava. A partir de 55 kt, a caixa se tornava instável, forçando uma redução de velocidade imediata.

Vários voos de testes foram realizados com diferentes cargas internas, mas houve o consenso que a caixa deveria ser remetida de volta para o fabricante para modificações. Após os testes, o piloto do AStar recomendou que a estrutura fosse transportada para o fabricante de caminhão. No entanto, pouco antes do acidente, a tripulação que conduziu os testes saiu para um feriado, sendo substituída pela tripulação envolvida no acidente, que não sabia o histórico
de tudo o que tinha acontecido.

O cabo utilizado para prender a carga ao helicóptero era curta, muito menor que o comprimento da carga, e o ângulo formado entre os quatro cabos que seguravam as quinas da carga formavam um ângulo consideravelmente maior que 45 °, o máximo recomendado. Com o cabo de apenas um metro, a caixa foi suspensa muito próxima ao helicóptero , quando o ideal seria um cabo com tamanho de, pelo menos, o diâmetro do rotor. (Fonte: Vortex 1/94)

Alguns trechos a seguir foram retirados dos relatos de onze acidentes com carga externa ocorridos no Canadá. Esses eventos servem para nos reforçar o porquê de, como em todas as operações com helicóptero, o transporte em carga externa ser cuidadosamente planejado e conduzido.

1. Uma caixa desenhada localmente para transporte em carga externa entrou em colapso em voo, permitindo que o cabo ficasse sem peso e fosse em direção ao rotor de cauda.

2. Um Hughes 500 perdeu o rotor de cauda quando o cabo que segurava a carga externa, uma fita trançada de nylon de 17 ft com um “destorcedor”, entrou em contato com o mesmo. O piloto fazia o transporte da carga com 90 kt.

3. Um cabo de 18 ft trançado de nylon foi substituído por um cabo que estava começando a entrar em colapso. Durante o deslocamento para o carregamento, o cabo sem peso foi em direção ao rotor de cauda e arrancou o rotor de cauda de um Hughes 500.

4. A carga externa foi alijada quando o piloto percebeu que não conseguiria parar o helicóptero em uma aproximação a favor do vento. Infelizmente, antes que o piloto pudesse recuperar a situação, o cabo comprido prendeu em um obstáculo e a aeronave caiu.

5. Um AStar estava transportando em carga externa duas pás de Bell 206 quando as pás “decolaram” e seccionaram o rotor de cauda da aeronave.

6. A carga escorregou de um “pallet” que estava sendo transportado em carga externa e o “pallet” voou em direção ao boom de cauda. Felizmente, o cabo era curto o bastante para manter o “pallet” longe do rotor de cauda.

7. Um helicóptero multi-motor estava na aproximação final com carga externa quando houve a falha de um dos motores. Como existiam pessoas no eixo da aproximação , o piloto escolheu não alijar a carga. O helicóptero caiu.

8. Um bell 206 ficou destruído quando o “bucket” que transportava água atingiu uma linha de alta tensão.

9. O piloto perdeu o controle da aeronave que fazia um transporte de carga externa para o topo de uma fábrica. O piloto não tentou ou conseguiu alijar a carga.

10. Um cabo de carga externa de 20 ft sem peso foi em direção ao rotor de cauda quando a aeronave, um Bell 206, realizou a descida da lateral de uma montanha imprimindo uma razão entre 1500ft e 2000ft/min.

11. Um cabo de 16ft de comprimento entrou em contato com o rotor de cauda de  um MD369. As testemunhas que estavam a 2 NM de distância reportaram que observaram o helicóptero despedaçando em voo e ouviram a explosão.

PRINCÍPIOS DA CARGA EXTERNA

O EQUIPAMENTO

Os pilotos devem sempre saber onde está a carga e o que está acontecendo com ela. Quando utilizando um cabo curto, um espelho que permita mostrar tanto a carga quanto o cabo em que está presa é essencial. Quando operando com um cabo longo (e sem um OE), o método mais seguro seria, com a porta do piloto retirada, olhar diretamente para baixo para enxergar o comportamento da carga.

Todo equipamento utilizado numa operação de carga externa deve estar em boas condições. O alijamento manual e o elétrico devem ser checados e o espelho deve estar ajustado.

É mandatório o uso de um “destorcedor” quando utilizado cabo de aço e material de metal. Uma corda de fibra sintética pode torcer-se no gancho e fazer com que seja impossível liberar a carga.

O tipo de cabo utilizado varia de acordo com as preferências do piloto e com o tipo de carga a ser transportada. Um cabo de fibra de poliéster é facilmente guardado, não rompe por causa de torção e não tem um recolhimento elástico se romper.

Um cabo de aço é o material mais forte disponível e é necessária a utilização desse tipo de cabo quando são utilizados helicópteros e cargas grandes. Entretanto, esse tipo de material é pesado, difícil de ser transportado em helicópteros pequenos e deve ser trocado sempre que forem encontradas marcas de torções no cabo.

Correntes também podem ser utilizadas com helicópteros menores e podem ser armazenadas em espaços menores que o necessário para o armazenamento de cabos. Com cargas cima de 1000 lb, entretanto, as correntes não são o material mais indicado, pois elas podem atritar e romper onde se cruzarem.

Outros aspectos importantes dizem respeito ao gancho e ao comprimento do cabo. O gancho deve possuir uma trava de segurança e o comprimento do cabo não deve ser curto, entretanto, não é interessante tenha um comprimento menor que a distância do cabo até o rotor de cauda. Mesmo com essa preocupação em relação ao comprimento do cabo, é importante que o conjunto do cabo seja pesado o bastante para não levantar em direção ao rotor de cauda.

Para manobrar no pairado, o cabo maior é mais indicado. Dessa maneira, o piloto pode enxergar e acompanhar melhor o comportamento da carga e sua relação com as partes do helicóptero, além de julgar melhor o ângulo da carga em relação ao solo. Também é mais fácil diminuir a oscilação da carga devido à utilização do cabo maior.

NO SOLO

Durante decolagem, enganchamento e sobrevoo, a segurança das pessoas que estão embaixo deve ser seriamente considerada. Essas áreas devem estar livres de detritos e coisas que, por causa do “downwash”, possam voar e atingir as pessoas que ali estejam ou, até mesmo, o próprio helicóptero.

O pessoal de terra deve ser utilizado para orientar e auxiliar os pilotos durante a operação, entretanto, deve ser habilitado para isso. O piloto não deve confiar cegamente nesses indivíduos, pois, em todos os casos, a responsabilidade total da operação recai sobre o comandante da aeronave, ou seja, o piloto.

O pessoal de terra deve ser treinado para preparar a carga, enganchar e fazer a comunicação com a aeronave através de sinais. Todos os procedimentos de segurança devem ser previamente acordados em briefing antes do voo. Devem possuir óculos de proteção, luvas, abafadores e todos os EPI necessários para a operação. O pessoal de terra nunca deve se posicionar sob a carga, tampouco entre a carga ou qualquer estrutura imóvel, evitando ser esmagado caso a carga desloque. Enquanto a carga é retirada do solo, é importante que o pessoal de terra não fique com as mãos onde elas possam ser esmagadas pela carga ou pelos próprios tirantes que a sustentam.

TÉCNICAS DE MANUSEIO E PREPARO DA CARGA

Algumas cargas são difíceis de transportar em carga externa, pois podem pendular ou girar descontroladamente devido ao seu formato. Infelizmente não existe nada que preveja o comportamento da carga. Se a carga apresentar-se instável, o que deve ser feito é colocá-la no chão e tentar montá-la novamente.

Uma vez em voo, o piloto deve estar com os reflexos treinados para alijar a carga caso a mesma oscile e não consiga controlar o movimento. O movimento descontrolado da carga externa pode, na melhor das hipóteses, interferir na pilotagem, e na pior, pode fazer que a mesma atinja o helicóptero ou até mesmo o derrube. O importante, entretanto, é ter certeza que a carga está bem montada e ajustada antes mesmo de deixar a área de enganchamento.

É importante voar na velocidade ideal prevista em manual para aquele tipo de carga e manter os limites de velocidade impostos pelo fabricante, não os excedendo em hipótese nenhuma.

Algumas cargas exigem que o voo seja de extrema precisão para se evitar o pendulamento. Se um pêndulo começar a ocorrer, é importante que haja a concentração para manter a aeronave voando estável, reta e nivelada, podendo ser necessário reduzir a velocidade.

Na aproximação final é importante fazer uma redução de velocidade gradual para que a carga não pendule longitudinalmente, passando indesejavelmente do ponto de abandono. A melhor técnica para isso é a redução gradual da velocidade, sendo necessária a estabilização da carga antes do alijamento na vertical do ponto.

AJUSTES

Durante as operações com carga externa, o piloto normalmente fica preocupado com segurança e eficiência. O ajuste adequado da carga é a chave da operação. Se o preparo da carga for inadequado, pode ser perigoso erguer e voar com a carga.

Inicialmente, para fazer o preparo da carga deve-se saber fazer amarração com nós que possam não se desfazer ou correr, e não se deve fazê-los embaixo da carga, sendo difícil ou até impossível de desatá-los.

CARGAS COM PONTO ÚNICO DE AMARRAÇÃO

Exceto para cargas específicas, a amarração em um único ponto não é a melhor maneira de prender a carga. Dessa maneira é mais fácil permitir que a carga gire, havendo até o risco da corda entrar em colapso e arrebentar. Caso a carga exija um ponto único de amarração, é importantíssimo que haja um “destorcedor” incorporado ao conjunto para evitar o colapso do mesmo.

Cargas com ponto único de amarração

 

A amarração com dois pontos com ângulo entre os cabos inferior a 45° é o método de amarração mais utilizado para a maioria das cargas. A amarração em quatro pontos também pode ser feita para cargas com a forma cúbica.

Amarração com dois pontos

A utilização de barras estabilizadoras também é possível. A barra é utilizada para evitar que o próprio tirante force a carga e danifique a mesma. Geralmente são utilizadas duas barras que distribuem o peso do carregamento.

Utilização de barras estabilizadoras

ESTABILIZANDO A CARGA

Caixas quadradas geralmente não tem um bom comportamento em voo e apresentam tendência de girar. Uma biruta pode ser utilizada para estabilizar o voo deste tipo de carga. Prender a biruta e uma barra horizontal pode melhorar a estabilização.

Estabilizando a carga com a utilização de biruta

Estruturas como toras de madeira e postes também voam muito mal, sendo o problema reduzido quando se adapta um tipo de cauda à carga. Um pedaço de galho com folhas pode funcionar nesse tipo de estabilização.

Estabilizando a carga com a utilização de galhos

REDES DE CARGA

Praticamente tudo pode ser transportado dentro de uma rede. O peso da carga deve estar bem distribuído, da maneira mais simétrica possível. Uma rede com uma lona cobrindo os objetos transportados evita que haja o espalhamento e queda de pequenos objetos. Uma rede feita com cabos de aço deve ser utilizada para o carregamento de materiais pesados ou para itens pontiagudos que podem danificar uma rede de nylon.

CUIDADO COM AERODINÂMICA

Antes de qualquer operação que envolva o transporte de grandes cargas externas, pilotos de helicóptero não familiarizados com a atividade devem avaliar cuidadosamente se o tipo e forma de material a ser transportado pode desenvolver um comportamento “aerodinâmico” indesejável em voo.

– folhas de materiais de construção – placas metálicas e assim por diante;
– tubos e manilhas de cimento ou concreto;
– pequenos barcos;
– automóveis;
– aeronaves danificada;
– piscinas de fibra de vidro;
– entre outros.

Se alguma dessas cargas realmente tiver que ser aerotransportada, deve-se considerar a utilização de algum tipo de biruta ou cauda – conforme citado em um dos tópicos anteriores visando a estabilização da carga.

DECOLAGEM SUAVE

A operação para a retirada da carga do solo exige que isso seja feita de modo muito suave. O piloto fica geralmente impedido de enxergar todo o conjunto do cabo com a carga e não consegue acompanhar a saída do solo. Dessa maneira, uma subida muito rápida, súbita, pode ocasionar um rolamento dinâmico e consequente descontrole do helicóptero. Durante a operação, em qualquer momento que for observado o afrouxamento do cabo (como quando uma cesta é afundada na água, por exemplo) pode ocorrer do cabo ficar preso sobre os esquis da aeronave.


Bibliografia: Whyte, Greg. Fatal Traps for Helicopter Pilots. New Zealand: Reed Publishing, 2003.


Texto traduzido e adaptado do original pela Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Quinto Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (5°/8°GAV). Cap Av Fernando: [email protected] ou 3220-3563. Texto publicado no Boletim Informativo de Segurança Operacional.


 

3 COMENTÁRIOS

  1. MEUS PARABÉNS PELA INTERESSANTE MATÉRIA.

    APÓS TER PUBLICADO TEXTO SOBRE GUINCHO ELÉTRICO, TEMOS ESSA OPORTUNIDADE SOBRE CARGA EXTERNA, SENDO O TIPO DE OPERAÇÃO DE SALVAMENTO MAIS UTILIZADA ATUALMENTE NO BRASIL.

    ESPERO QUE TENHAMOS OUTRAS OPORTUNIDADES INTERESSANTES COMO AS QUE TEM PUBLICADO AQUI.

    SUCESSO.

  2. Excelente texto. Gostaria de agradecer ao site por compartilhar conosco este conhecimento. Como o colega citou anteriormente, é o tipo de operação de salvamento mais utilizada atualmente, portanto a contribuição para a segurança operacional é imensa.
    Certamente será levado à discussão com pilotos, tripulantes operacionais e mecânicos em nossa Unidade.

    Cap Ximendes
    BAVOp/PMDF

  3. Acredito que treinamento, planejamento e respeito aos limites da máquina e do espaço em que será feita a operação são condições para o sucesso final.
    Luis Martins-Insp. Mnt. FAB

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