Operações de Salvamento – O que devemos saber sobre as cordas – Parte 1

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ADRIANI JOSÉ DE SOUZA

INTRODUÇÃO

Nas operações de salvamento com aeronaves da Aviação de Segurança Pública, há muito com que nos preocupar quanto aos equipamentos utilizados, a origem, especificações, certificações, utilização e cuidados diários.

Não é fato isolado quando se priorizam a técnica ao equipamento. São treinamentos sucessivos, repetidas vezes, em alguns casos exaustivamente, a fim de que o tripulante e o piloto estejam completamente seguros de todos os detalhes que envolvem o salvamento e possam realizá-lo, minimizando os riscos.

Em se tratando de salvamento em altura, através do helicóptero, os cuidados devem ser redobrados quanto às CORDAS DE SALVAMENTO.

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Operação de salvamento terrestre realizado pelo GRPAe em Cubatão/SP - 2009, utilizado a técnica do "Mac Guire" com exfiltração pelo gancho.

Trataremos neste artigo dos conceitos fundamentais sobre as cordas, principalmente daquelas utilizadas pelos aeronavegantes da Aviação de Segurança Pública, pois elas são o meio para cumprir a missão de salvamento.

As cordas representam o elemento básico do salvamento em altura, tanto que encontramos diversas literaturas internacionais que utilizam a expressão “resgate com cordas” (rope rescue). Na maior parte das vezes, a corda representa única via de acesso do tripulante à vítima ou a única ligação deste a um local seguro, razão pela qual merece atenção e cuidados especiais.

A matéria-prima e a forma como elas são construídas podem variar bastante, mas é o tipo de aplicação que definirá qual modelo é mais adequado em nossas operações.

1. A MATÉRIA-PRIMA DAS CORDAS

As cordas podem ser feitas de fibras naturais (algodão, juta, cânhamo, sisal, entre outras) ou fibras sintéticas.

cordas

Até os anos quarenta utilizavam-se fibras naturais, principalmente de cânhamo como a da figura acima a esquerda. A partir de 1950 começaram a adotar, para a fabricação das cordas, fibras sintéticas como a da figura acima a direita. Graças a utilização destes materiais tem sido possível desenvolver e aperfeiçoar, com objetivo de ampliar a gama de utilizações e a segurança, cordas dotadas de uma estrutura diferenciada, definindo assim, um modelo de fabricação que todas as indústrias respeitam.

Devido às características das fibras naturais, como a baixa resistência mecânica, sensibilidade a fungos, mofo, pouca uniformidade de qualidade e a relação desfavorável entre peso, volume e resistência, apenas cordas de fibras sintéticas devem ser utilizadas em operações de salvamento.

Dentre as fibras sintéticas, destacamos:

Poliolefinas (polipropileno e polietileno): são fibras que não absorvem água e são empregadas quando a propriedade de flutuar é importante, como por exemplo, no salvamento aquático. Porém, estas fibras se degradam rapidamente com a luz solar e, devido a sua baixa resistência à abrasão, pequena resistência a suportar choques e baixo ponto de fusão, são contra-indicadas para operações de salvamento em altura (proibidas para trabalhos sob carga).

Poliéster: as fibras de poliéster têm alta resistência quando úmidas, ponto de fusão em torno de 250ºC, boa resistência à abrasão, aos raios ultravioletas e a ácidos e outros produtos químicos, entretanto, não suportam forças de impacto ou cargas contínuas tão bem quanto as fibras de poliamida. São utilizadas em salvamento, misturadas com poliamida.

Kevlar: é uma fibra desenvolvida pela Dupont™, resistente a altas temperaturas e extremadamente forte, porém é muito susceptível a abrasão tanto interna quanto externa (as fibras são tão rígidas que se cortam entre si). Além disso, como não pode absorver impactos e quebrar-se quando dobrada, não deve ser usada em operações de salvamento.

Poliamida (nylon): o nylon do tipo 6.6 possui boa resistência à abrasão, em torno de 10% mais resistente à tração do que o poliéster, mas perde de 10 a 15% de sua resistência quando úmido, recuperando-a ao secar. Excelente resistência a forças de impacto. Esta é a fibra mais indicada para cordas de salvamento em altura.

2. COMO SÃO FABRICADAS AS CORDAS DE SALVAMENTO

Para a construção de uma corda, as fibras podem ser torcidas, trançadas ou dispostas sob a forma de capa e alma. As cordas destinadas a serviços de salvamento possuem capa e alma. A alma da corda é confeccionada por milhares de fibras e é responsável por cerca de 80% da resistência da corda. A capa recobre a alma, protegendo-a contra a abrasão e outros agentes agressivos, responde pelos 20% restantes da resistência da corda.

2.1 Tecnologia Kernmantle

As cordas de construção Kernmantle apresentam diversos tipos de alma e de capa. A alma da corda é confeccionada por milhares de fibras de nylon torcidas juntas, formando cordões. Estes cordões são torcidos em direções opostas, metade à direita e metade à esquerda, para que a corda seja neutra, isto é, não torça quando submetida a esforço.

A capa, geralmente colorida, é que proporciona a maioria das características de manuseio. Com referência a construção da capa, quanto maior for seu número de fios, maior será sua resistência a abrasão.

3. RESISTÊNCIA

Ao avaliar uma boa corda, um leigo pode imaginar que o único critério a ser considerado é a resistência para suportar cargas, porém sabemos que o fato de suportar grandes pesos não garante a integridade daquele que depende dela para realizar sua missão.
É necessário lembrar primeiramente que o corpo de uma pessoa em movimento, especialmente em queda livre, pode gerar uma força equivalente a centenas de quilos sobre um sistema que irá suportá-lo, e, portanto, não se pode ingenuamente considerar apenas o peso de uma pessoa para avaliar a resistência de uma corda.

Uma base utilizada como referência para avaliar a exigência de resistência de uma corda, por exemplo, se fundamenta nos padrões que são utilizados em determinados sistemas mecânicos, que usam como fator de segurança a resistência equivalente a cinco vezes a maior carga esperada em sua operação, ou seja, utiliza-se o fator 5:1. Isso dá uma boa margem de segurança, evitando acidentes que podem gerar prejuízos e até mesmo colocar vidas humanas em risco. Contudo esse fator não é adequado quando se trata de operações de salvamento, onde vidas humanas dependem da resistência das cordas

Para a segurança de bombeiros, socorristas, tripulantes e policiais o referido fator deve ser maior, já que estamos prevendo solicitações dinâmicas (corpos em queda) podendo ultrapassar a relação de 15:1, ou seja, ter uma resistência mínima quinze vezes maior que a carga esperada sobre o sistema.

Se adotarmos 100 kg como valor de referência para o peso de uma pessoa, e quisermos adotar o fator 15:1, uma corda nova terá que ter uma resistência mínima à ruptura de 1.500 kg. Mas como existem outros fatores envolvidos na dinâmica da detenção de uma queda e nas características das cordas, internacionalmente o valor mínimo é de 2.000 kg.

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Operação de salvamento terrestre realizado pelo GRPAe em Cubatão/SP - 2009. Tripulante e vítima ancorados nas cordas, utilizando a técnica de "Mac Guire" com exfiltração pelo gancho.

Os americanos, através da N.F.P.A. (National Fire Protection Association), determinaram como carga de resgate o valor de 600 lbsf ou aproximadamente 270 kg, que considera dois homens pesados mais equipamentos. Como adotam um fator de segurança de 15:1, a norma americana 1983 da N.F.P.A. exige para as cordas de resgate (uso geral) uma resistência mínima a ruptura de 9.000 lbsf ou aproximadamente 40 kN (4.000 kg).

4. ABSORÇÃO DE IMPACTOS

Estar preso a uma corda de grande resistência não significa segurança para o tripulante. Imagine uma pessoa praticando “Bang-Jumping” (salto com cordas amarradas aos pés), utilizando cabos de aço no lugar de cabos elásticos. No momento em que o cabo de aço esticar e detiver abruptamente a queda da pessoa, o choque irá todo para o corpo dela provocando traumas internos muito sérios ou até mesmo desmembramentos de partes do corpo.

Portanto, além de resistente, a corda tem que ser capaz de amortecer o impacto da queda e preservar o corpo do tripulante. As cordas absorvem o impacto de uma queda com a elasticidade, funcionando como um colchão macio, desacelerando a queda gradativamente, mesmo que em uma fração de segundos.

Internacionalmente, as cordas de segurança são divididas em dois grupos básicos: dinâmicas e estáticas.

As cordas dinâmicas são construídas para oferecer uma maior elasticidade, projetadas especificamente para deter quedas de pessoas. Elas são mais populares no meio esportivo, por serem utilizadas há décadas na escalada esportiva. As cordas dinâmicas, dependendo do diâmetro e do fabricante, oferecem de 7% a 10% de elasticidade (teste de alongamento com uma carga de 80 kg). No limite da ruptura, elas podem chegar a 75% de alongamento (padrão N.F.P.A.).

As cordas estáticas devem ser chamadas mais apropriadamente de semi-estáticas, pois também oferecem elasticidade, mas com uma média de 3% de alongamento. Estas são as cordas mais utilizadas nas operações de salvamento com helicópteros, pois a principal fibra é a Poliamida (náilon), cujas características são a resistência à tração, resistência a choques e um ponto de fusão em torno de 250 °C (poliamida 6,6).

As melhores cordas semi-estáticas (pouco elásticas) utilizam alma (fibras internas) de poliamida e a capa (trama externa) de poliéster, que oferece uma alta resistência mecânica mesmo quando molhada, boa resistência a abrasão e razoável resistência a agentes químicos.

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Corda estática (observe a alma com os fios em paralelo) e Corda dinâmica (observe a alma com os fios trançados)

São por essas questões que as principais unidades de salvamento, nas Corporações de Bombeiros Militares, Forças Policiais, Aviação de Segurança Pública e Forças Armadas adquirem as cordas semi-estáticas, com tecnologia Kernmantle, diâmetro de 12 ou 12.5 milímetros e carga de ruptura mínima de 4.000 kg.

No próximo artigo trataremos dos cuidados com as cordas de salvamento, inspeção diária, diâmetro, cores e detalhes sobre sua vida útil. Aguardem…


Referências:

1. MAS (Manual de Salvamento em Altura), Coletânea de Manuais Técnicos – MTB26-Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo;

2. Catálogos New England;

3. Catálogos PMI;

4. Catálogo Roca;

5. Catálogo Sterling;

6. Revista NUS, Barcelona, Espanha, 1993;

7. Vertical Caving, Meredith e Martinez, Lyon Equipment, UK;

8. Catálogo Black Diamond;

9. Catálogo Edelweiss;

10. Catálogo Beal;

11. Catálogo Climb High, e

12. Catálogo REI.


O autor é oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo e especialista em salvamento em altura.


10 COMENTÁRIOS

  1. Boa tarde Capitão gostaria de parabenizar o senhor por este trabalho, pois assim podemos nos aprender a respeitar a altura e trabalharmos com maior segurança.
    Obrigado por tudo que me ensinou.
    abç;
    Bombeiro Raposo (eco field)
    tecnico em segurança do trabalho.

  2. Caro Adriani

    Parabéns pelo artigo. Muito bom!

    Somos fabricantes da corda POLARIS (Cordoaria São Leopoldo)e da Corda Safetyline para Linha de Vida.

    Gostaria de lhe encaminhar nossa literatura e amostras. Aproveito para informar que acaba de ser publicada a norma ABNT para cordas de alma e capa, de baixo alongamento, uma tropicalização da norma europeia EN1891.

    Estou à sua disposição.

    Um abraço

    André

  3. Olá li seu comentário, gostei muito,sou ,servi na brigada pára-quedista,hoje faço parte de um grupo de veterano ,onde danos aulas de escalada e rapel.
    Excelente explicação, fico muito grato.deus abençoe a todos. PQD MENDES

  4. boa tarde Cap. Adriani pela excelente matéria sobre cordas ,todo o aprendizado é bem vindo,sou bombeiro civil e guarda vidas civil e diariamente estamos envolvidos com uma corda na mão digamos que é um dos nossos principais e mais importantes equipamentos não desfazendo de nenhum outro mais sem uma boa corda não podemos salvar e proteger á nós próprios mais uma vez só tenho a agradecer …muito obrigado TKS

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