Os riscos dos voos noturnos

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Às 9:00h do dia 27 de agosto de 2011, um helicóptero Robinson R44 Raven II particular deixou o aeródromo de Saint Ferdinand, Quebec – Canadá, para um voo noturno para a cidade vizinha de Saint-Nicolas, também em Quebec. Além do piloto, que estava operando sob regras de voo visual, três passageiros estavam a bordo.

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Estava escuro, já havia passado mais de uma hora do pôr-do-sol, mas a viagem era para ser curta, cerca de 20 minutos, para uma família de quatro pessoas voltar para casa depois de uma noite passada visitando amigos. Além disso, os aeródromos mais próximos relataram boa visibilidade; o piloto tinha licença há seis anos, com quase 900 horas de voo, cumprindo os requisitos das regras de aviação canadenses (CAR) para voo noturno. Apesar disso, nove minutos depois, as quatro pessoas estavam mortas e o helicóptero completamente destruído com o impacto, depois de bater em uma área arborizada a apenas um quilômetro de distância do ponto de decolagem.

O que teria acontecido?

No final de setembro desse ano, o Transportation Safety Board (TSB) divulgou seu relatório de investigação sobre o acidente (Relatório A11Q0168). De acordo com os resultados, não houve evidência de falha mecânica, e que provavelmente o piloto perdeu o controle da aeronave logo após a descolagem. A causa provável? Desorientação espacial. O aeródromo não estava equipado com um sistema de iluminação, e os investigadores do TSB concluíram que o piloto teria tido poucas referências visuais fora da aeronave, deixando-se vulnerável a várias ilusões comuns ao voo noturno.

Vários tipos de ilusões podem afetar a orientação de um piloto, incluindo ilusões vestibulares (relativo ao nervo vestíbulo). Estas são mais complexas e mais perigosas, em parte porque o ouvido interno é sensível à aceleração tanto linear, quanto angular. No caso da primeira (linear), um piloto que não tem referências visuais, pode perceber incorretamente os movimentos de arfagem (pitch) da aeronave, de nariz para cima ou nariz para baixo (isso ocorre com freqüência logo após a decolagem). A segunda (angular), por sua vez, pode dar a um piloto que acaba de completar uma curva, a sensação de que ele ainda está curvando, porém, na direção oposta.

A mais extrema dentre as formas de desorientação vestibular é o fenômeno de Coriólis, que pode acontecer quando o piloto vira a cabeça para a frente ou para trás enquanto a aeronave está curvando. Isso pode criar uma sensação arfagem, rolagem e de guinada, tudo ao mesmo tempo. Na ausência de iluminação exterior ou outras referências visuais, um piloto que realiza ações, mesmo que sejam simples, como virar a cabeça para a frente para executar uma tarefa, ou levantar a cabeça para olhar para frente enquanto faz uma curva, pode experimentar este fenômeno. Mesmo que isso não resulte em um acidente necessariamente, ele pode tornar difícil o controle da aeronave.

Os riscos apresentados por ilusões espaciais, no entanto, são conhecidos. E os pilotos que desejam voar à noite, quando esses riscos são maiores, devem realizar um treinamento complementar, conforme especificado nos regulamentos de aviação canadenses (CAR – Canadian Aviation Regulations).

Nesta ocorrência, o piloto possuía os mínimos requeridos para voo noturno. O piloto também havia registrado seis horas de voo noturno como piloto em comando nos seis meses anteriores, com um total de nove pousos e decolagens, cumprindo portanto, os requisitos de recentidade dos CARs. No entanto, digno de nota, tudo isso ocorreu em áreas onde o meio ambiente era iluminado. Isso não é incomum: as escolas de treinamento de voo são muitas vezes localizadas perto de áreas povoadas, ou seja, a formação de voo é muitas vezes conduzida em torno de pistas ou helipontos iluminados.

No entanto, na noite da ocorrência, o piloto foi confrontado com um conjunto completamente diferente de circunstâncias. Estava muito escuro: não havia lua visível, as estradas próximas ao aeroporto não estavam acesas e haviam poucas casas próximas. Além disso, havia muitas árvores na rota planejada. Em suma, o piloto teria decolado e voado para um “buraco negro” de um quase inexpressivo relevo, uma desafiadora combinação para qualquer piloto, muito mais um com pouca experiência à noite e voando fora de áreas metropolitanas.

O relatório do TSB, portanto, fez desse risco uma das suas principais conclusões: pilotos sem experiência de voo à noite fora de áreas bem iluminadas estão em maior risco de desorientação espacial. Além disso, também é possível que os requisitos mínimos para a obtenção de uma licença de piloto privado de helicóptero com permissão para voo noturno, possam não ser suficientes para educar adequadamente e demonstrar aos pilotos de helicóptero privados os riscos envolvidos nos voos noturnos, incluindo as ilusões visuais que podem levar à desorientação espacial .

Então, o que os pilotos podem fazer para evitar que acidentes desse tipo aconteçam?

Como se vê, uma das melhores defesas contra sucumbir às ilusões espaciais é a consciência. Basta saber que a desorientação pode ocorrer, e realizar uma correta checagem dos instrumentos de voo, podem ajudar a prevenir estes problemas. Na verdade, a maioria das estratégias para reduzir o risco de desorientação espacial envolvem a preparação prévia para o voo. Estes procedimentos incluem manter baixa (fraca) as luzes do cockpit, para que os olhos permanecem ajustados à escuridão e os pilotos possam ver claramente o ambiente externo.

A popularidade do helicóptero vem crescendo. A vinte e cinco anos atrás, havia apenas 210 pilotos privados licenciados no Canadá. Até 2011, esse número mais que triplicou, para 637. À medida que os números continuam crescendo, com mais de 300 pessoas atualmente tendo permissão de “piloto em formação”, é razoável afirmar que haverá um aumento de pilotos privados com habilitação para voo noturno.

É difícil prever o impacto que isso poderia ter sobre o número ou taxa de acidentes em voos à noite, mas uma coisa é certa, com a desorientação espacial perfazendo uma estatística de 5% a 10% de todos os acidentes da aviação geral, 90% dos quais são fatais, os pilotos precisam ter cuidado extras ao voar à noite.

Isso significa estar consciente dos perigos e riscos durante voos noturnos e tomar as apropriadas medidas mitigatórias.

O TSB é uma agência independente que investiga ocorrências marítimos, ferroviários e da aviação. Seu único objetivo é a promoção da segurança do transporte. Não é a função do TSB atribuir culpa ou determinar responsabilidade civil ou criminal. Para mais informações, visite nosso website em www.bst-tsb.gc.ca.

Fonte: Vertical Magazine e Canadá Transport Safety Board, via Asa Rotativa / Tradução e adaptação: Daniel Queiroz

1 COMENTÁRIO

  1. “Todo acidente tem um precedente”
    “Nenhum acidente é original uma vez que, ao compararmos uma ocorrência recente com outra já ocorrida há vários anos sempre poderá ser estabelecida alguma relação através da semelhança de fatores contribuintes, ou seja, no processo de formação do acidente.
    A segurança de voo se vale dessa semelhança para concretizar ações preventivas. impedindo ou interrompendo a formação da seqüência dos eventos.”

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