Quem nasce aqui é o quê ?

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MARCUS VINICIUS BARACHO DE SOUSA
Capitão PMESP – Cmt BRPAe de SJRP

Queria saber se tem algum aviador que nunca se perdeu?! Mesmo que seja no começo da carreira, em instrução….sei lá, acho que todo mundo se perdeu um dia, mesmo que por alguns minutos, experimentou a sensação de olhar no terreno em busca de uma referência….qualquer coisa que nos livre daqueles momentos, mesmo com a bússola na nossa “cara”, tem hora que a coisa não sai.

Vou contar uma história. Já faz um tempinho que aconteceu, mas me serviu muito na carreira. Trabalhei um tempo no setor de manutenção de aeronaves do Grupamento Aéreo de São Paulo e era normal a troca de aeronaves das nossas bases destacadas. Quando eu era um aviador novo (dizem que se chama manicaca), aproveitava as oportunidades de fazer uma navegação e ia com os mais antigos fazer essas trocas, assim era possível voar por todo o Estado de São Paulo. Ninguém discute a afirmativa de que São Paulo é um Estado muito grande, e eu percebi isso voando.

Estava voando com o Cmt do GRPAe e cá pra nós era um dos melhores instrutores que tínhamos, ele nos dava a oportunidade de aproveitar ao máximo o voo, considerando todos os aspectos desde o planejamento até o “pé e mão”. Então fomos para a Base de Ribeirão Preto levar um helicóptero e trazer outro que lá estava, Foi tudo bem na ida e já existia uma opção ótima para ajudar os 2P, o tal de GPS. Coisa linda é só apertar uns botões e ele faz tudo para você, te leva onde quiser e chegamos a Ribeirão Preto com muita facilidade.

Almoçamos com os colegas, batemos um papo e fui preparar o plano de voo para a volta, ao meu lado o fiel protetor do 2P, o GPS. Carta, régua, calculadora, etc…, fiz como deve ser e preparei plano para a volta a São Paulo, também deixei tudo programado no meu aparelho.

Entramos no Esquilo e meu instrutor foi deixando que resolvesse tudo, acionei a turbina, falei com a torre de controle, fiz a cópia do plano, liguei o GPS e decolamos. Tudo bem, nada melhor do que sair do chão e sentir a aeronave deslizar, ganhando os céus. Mas eu estava para aprender uma grande lição e claro, me deixou o comandante, voar com o aparelho e depois de alguns minutos, me deu a seguinte notícia: “Pane no GPS, a partir de agora você vai ter que chegar a São Paulo sem esse recurso”.

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E agora? Não deu tempo de ver onde eu estava, pois, havia focado a minha atenção naquela “setinha” e o macete era deixar ela alinhada com uma “barrinha” desenhada na tela do equipamento, então… para quê me preocupar com “onde estou?” se o que me interessava era “pra onde eu vou?”. A coisa ficou difícil, manter a proa, altitude, velocidade, olhar a carta, falar no rádio e controlar todos os sistemas…. ”caiu a casa” e não demorou muito para eu reconhecer que estava perdido. Do meu lado o sábio instrutor, esperando e avaliando minhas decisões. Vi um aeródromo de uma dessas fazendas, dentre tantas que têm naquela região e então decidi, “Vou pousar lá e perguntar!”, o Comandante (instrutor) disse: “Não acredito que você vai nos fazer passar essa vergonha!”, respondi; “deixa comigo!”.

Pousamos e de imediato chegou um senhor, responsável pelo local, que nos ofereceu um café e água. Naquele momento o instrutor aguardava para ver aonde tudo aquilo ia chegar e claro, ainda não se conformava com a possibilidade de que eu perguntasse onde estávamos (claro que somente eu não sabia onde estava). Papo vai papo vem e eu tinha que definir aquela situação, mas também não ficava bem um aviador perguntar onde estava. Repentinamente me veio uma idéia e no meio da conversa com aquele senhor muito atencioso fiz a seguinte pergunta; “… achei essa região muito bonita,quem nasce aqui é o quê?”, a resposta foi suficiente para que eu percebesse que estava na região de São Carlos e planejasse o meu voo novamente. Decolamos daquela fazenda sem que percebessem minha falha, o nobre instrutor, sorrindo me disse; “… agora quando você não planejar seu voo, é só perguntar “…quem nasce aqui é o quê?”.

Aquela foi um grande aprendizado e nunca mais fiz um voo sequer que não fosse planejado nos mínimos detalhes. Ainda tenho meu GPS, mas nada melhor do que uma carta, régua e uma bússola, para garantir.


Fonte: Okapanegão


7 COMENTÁRIOS

  1. Muita habilidosa a estratégia utilizada pelo nobre companheiro. Não se deixou abater pela situação e ainda acabou se saindo bem no final das contas.

    Parabéns.

  2. Parabéns ao Cmte Baracho pela abordagem de um tema tão corriqueiro e importante em nossas carreiras, a Navegação Aérea e seus recursos.

    Qual o piloto que nunca leu no painel do helicóptero o placar “O GPS É PROIBIDO COMO MEIO PRIMÁRIO DE NAVEGAÇÃO” e simplesmente ignorou isso?? Eu confesso que já fiz várias…

    O episódio vivido pelo Cmte Baracho pode vir a acontecer com qualquer um, mas o fato é que a gente acredita que isso NUNCA vai acontecer conosco…

    Baracho, obrigado pelo agradável texto e parabéns pela CORAGEM de divulgar essa sua divertida “derrota” com todo o Brasil!! kkkkkk

    Forte abraço! Bons voos!!

    Cmte Rodrigo Duton – MAJ PMERJ
    Grupamento Aéreo e Marítimo (GAM)

  3. Acho que cada piloto tem uma história interessante para contar, essa marcou e contribuiu para a minha formação. Valeu ao Piloto Policial por publicar essa humilde experiêcia.

    PS: Vc tem tem razão SIC

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