O Susto – o perigo do “Brownout”!

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O dia começou frio, mas logo no início da tarde, o sol clareava e esquentava o dia….Por volta das 13:50h, a sirene tocou duas vezes, informando que nova ocorrência de resgate estava acontecendo.

Cada um em sua seção, ao ouvir os toques da sirene, deslocaram-se rapidamente para a aeronave, momento em que fomos informados pelo enfermeiro de que se tratava de ocorrência envolvendo dois caminhões pela Marginal Tietê, entre as Pontes das Bandeiras e da Casa Verde e a vítima encontrava-se presa nas ferragens.

Como o local era muito próximo do Campo de Marte, o Cmt da Aeronave comentou, em tom descontraído, que o melhor local para pouso para essa ocorrência seria o próprio Campo de Marte, onde nos encontrávamos, pois é regra nas missões de resgate evitar ao máximo pousar em ruas e avenidas, procurando sempre um local mais seguro, quando muito, desembarcar o médico e enfermeiro no local e pousar em outro lugar.

Decolamos, sentido Pista 30, onde após curva a esquerda já conseguimos avistar o local na Marginal Tietê, pela pista expressa, sentido leste, e observamos que o trânsito já estava parado, em virtude de já se encontrarem pelo local viaturas policiais e do corpo de bombeiros.

Após breve avaliação pontual da via e também de outras possibilidades pelas imediações e, considerando que o pouso na pista acarretaria enormes conseqüências ao trânsito, uma vez que não sabíamos se a vítima já tinha sido retirada do caminhão ou ainda estaria presa nas ferragens, fato que poderia retardar o atendimento, decidimos efetuar pouso no campo do Clube Tietê, localizado bem próximo do acidente, no mesmo sentido da via, sendo que, após rápida avaliação do Cmt da Aeronave, estabilizou o helicóptero no sentido de sua rampa e entrou na final para pouso…

Era um campo de futebol, que por sinal estava bem castigado, tendo área gramada apenas em suas extremidades, enquanto que o centro do campo era dominado pela terra.

A aproximação foi tranqüila e estável, porém bem próximo ao solo, numa altura que acredito não maior do que 2 metros, iniciou a subida de poeira (piso de terra vermelha), ocasionando o chamado “brownout”, porém ainda mantínhamos visão da região frontal, só que talvez, acredito eu, isso tenha motivado o comandante a efetuar rapidamente o pouso, utilizando a técnica do pouso direto.

No momento do toque dos esquis no solo, a aeronave não estabilizou no ponto, tendo um leve deslocamento para frente e iniciando o chamado pilonamento frontal, fato que por frações de segundo, com o acelerar do batimento cardíaco, somente uma imagem passou pela minha mente: “A pá vai bater no chão, o rotor vai quebrar e espero que não pegue em ninguém”…

Da mesma forma que tudo aconteceu muito rápido, o comandante, agiu de forma emergencial e corretiva, tentando num primeiro momento, na atuação do cíclico a retaguarda, porém, sem resultado, e depois na exigência de potência, atuando no coletivo, efetuando uma puxada brusca para que as pás do rotor não tocasse o solo, arremetendo de imediato, instante em que ao livrar os esquis do solo, a aeronave sofreu uma guinada para a esquerda, levando sua cauda à direita, elevando sua altitude inicialmente um pouco descontrolada, mas, logo em seguida, estabilizando o vôo, alcançando a arremetida com segurança.

Depois disso, observei que na tela do VEMD encontrava-se uma mensagem de Overlimit Detected, situação que expus ao comandante. Diante disso, retornamos para próximo do local, onde o enfermeiro, por meio de gestos, sinalizou da impossibilidade de socorro, abortando a missão e retornando para o Campo de Marte para que pudéssemos avaliar o que teria acontecido com a aeronave e pronto restabelecimento de toda a tripulação, observando no registro do VEMD que o Torque atingira 113%, por 1 segundo.

Esclareço que todos os fatos ocorreram muito rápido. Para mim, acredito que não tenha passado de 3 segundos, desde o toque dos esquis no solo até a arremetida, e confesso que minha reação foi apenas esperar o que iria acontecer, da mesma forma que todo o restante da tripulação, que permaneceram calados durante o desenrolar das manobras.

Nessa espera não falei coisa alguma, nem visualizei o painel da aeronave ou até ouvi qualquer sinal de alarme, somente esperei. E na confiança de que sairíamos dali, pude perceber posteriormente, da mesma forma que o enfermeiro e a médica, que na relação entre Homem e Máquina, Piloto e Aeronave, o helicóptero não respondeu numa fase inicial às intenções do piloto, mas reagiu satisfatoriamente na segunda exigência, em virtude da brilhante capacitação profissional do homem e atuação salvadora do piloto.

E assim, graças aos Anjos e Arcanjos, ao Bom Deus e ao Comandante da Aeronave estamos relatando esse fato, e espero que nunca, nem ninguém, tenha que passar pelo mesmo susto e lembrem sempre do perigoso efeito do “Brownout”.


Texto: EDERSON LUIZ FALCADE, 1º Ten PM – Comandante de Operações – GRPAe/SP


11 COMENTÁRIOS

  1. Esse texto, para mim, é uma marco na maturidade da Aviação de Segurança Pública Paulista, pois falou-se de algo que aconteceu,muito crítico, sem esconder, sem colocar sob o tapete.

    Fico feliz em fazer parte dessa aviação.

    Parabéns ao Falcade pelo desprendimento e pela maneira ímpar que abordou o assunto em prol da segurança operacional.

    Bons Voos

  2. Uma aviação profissional é construida dessa forma, humildade em relatar os fatos e sempre buscando aprender.
    Como já disse outras vezes, a aviação da PM de SP
    é um exemplo a ser seguido.
    APF Cássius

  3. Relato valioso que ajudará a evitar que se percam vidas.
    Parabéns pelo profissionalismo e pela sinceridade com que tratou a questão.

    Voar, Pairar, Salvar!

  4. Parabéns Falcade,
    Um dos princípios basilares da Segurança de Voo é o da não existência de segredos nem bandeiras. Entre o princípio filosófico e a atitude existe uma grande diferença. Muitos por vaidade, insegurança e et cetera deixam de compartilhar as experiências negativas, sujeitando outras pessoas a cometerem erros que poderiam ser evitados. Imagine uma situação hipotética em olhar ao lado numa reunião diária e não ver um amigo que perdeu a vida por desconhecer ou não estar preparado para uma situação negativa já vivida por você!
    Enfim, eu recentemente li uma frase da qual vou procurar não me afastar, qual seja: “Suas ATITUDES falam tão alto que não consigo ouvir tua voz.” É isso o que vc fez, teve atitude.
    Um Forte Abraço do seu amigo e irmão.

  5. Este relato irá para a pasta de serviço de nossa unidade e fará parte do Briefing antes do serviço! Parabéns pela iniciativa e sinceridade no relato. Isso realmente nos ajuda a refletir ainda mais sobre a segurança nas operações.
    Bons voos!!

    Cap Farley – CBMMG

  6. EM SE TRATANDO DE SEGURANÇA OPERACIONAL, NÃO PODEM EXISTIR BARREIRAS NEM TAMPOUCO OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES (PANO PRETO).
    ESTOU CERTO QUE NOSSA AVIAÇÃO ESTÁ EVOLUINDO QUANDO LEIO RELATOS DESSA NATUREZA, MOMENTO EM QUE, PARABENIZO O PILOTO SEGUNDO EM COMANDO FALCADE, PELA VALIOSA CONTRIBUIÇÃO.
    QUE DEUS CONTINUE A ABENÇOAR NOSSOS VOOS.
    CAP PMPE ROMILDO – ASP92.

  7. PARABÉNS PELO PROFISSIONALISMO E MATURIDADE NA SEGURANÇA DE VOO!! E OBRIGADO PELO RELATO VALIOSO A TODOS QUE OPERAM COM HELICÓPTEROS…
    SUCESSO NAS MISSÕES E QUE DEUS OS ILUMINE!!

  8. Obrigado por compartilhar este momento de aflição! A vossa humildade reflete o alto nível de profissionalismo dos envolvidos na operação.

    Parabéns pelo sucesso e pela estabilização da aeronave.
    Grande abraço aos amigos.

    Agt PM Juan Berti
    CIEMER190 5ª RPM – PMSC
    -futuro piloto policial.

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