Durante o ENAVSEG 2025, o Tenente-Coronel Marcelo Vaz, do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), compartilhou uma análise detalhada sobre os efeitos da ADPF 635 — Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — e suas consequências diretas na atuação da aviação de segurança pública no estado do Rio de Janeiro.

A palestra trouxe à tona um tema sensível e de extrema relevância para o setor: os desafios jurídicos, operacionais e administrativos impostos às forças policiais após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2020, estabeleceu restrições severas ao uso de helicópteros e à realização de operações em áreas densamente povoadas.


Contexto e origem da ADPF 635

A ADPF 635, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em conjunto com organizações da sociedade civil, tinha como objetivo reduzir a letalidade policial e aumentar o controle sobre as operações em comunidades do Rio de Janeiro. O relator, ministro Edson Fachin, determinou uma série de limitações, entre elas a necessidade de justificativas formais para o emprego de aeronaves, a comunicação prévia das operações e a proibição do uso de escolas, hospitais e unidades de saúde como bases operacionais.

Segundo o Tenente-Coronel Vaz, essas medidas tiveram impacto direto sobre a rotina da aviação policial:

“No início, a comunicação prévia com escolas e hospitais comprometia o sigilo das operações. Em poucas horas, as informações já estavam nas redes sociais das comunidades.”

Para preservar a segurança e a efetividade das ações, o Grupamento Aeromóvel (GAM) precisou desenvolver novos protocolos de planejamento e comunicação, garantindo que as missões fossem executadas dentro dos parâmetros legais, mas sem comprometer o fator surpresa e a integridade das equipes.


Rotina operacional e novos protocolos

Durante sua apresentação, o Tenente-Coronel Vaz explicou como a PMERJ adaptou sua rotina administrativa e operacional diante das restrições. Foram criados documentos padronizados, planilhas de registro e relatórios de término de operação para atender às exigências do Ministério Público e do Judiciário.

O ciclo operacional passou a seguir uma cadeia bem definida: o Comando do GAM recebia a missão, elaborava o plano junto à P3 (Planejamento e Inteligência) e repassava as informações ao Comando de Operações Especiais (COE), que validava e executava a ação em conjunto com o BOPE, Batalhão de Choque, BAC, Patamo e Centro de Instrução Especializada.

Com a ADPF em vigor, as missões passaram a demandar justificativas específicas para o uso da aviação, incluindo a comprovação de excepcionalidade (armamento pesado, mandados de prisão ou ações integradas de combate ao crime organizado).


Desafios e aprendizados

O oficial destacou dois grandes desafios enfrentados durante o período da ADPF:

  1. A manutenção do sigilo operacional, comprometido pela obrigatoriedade de comunicar previamente as ações;
  2. A necessidade de justificar cada operação aérea exigia um elevado nível de documentação e articulação entre os órgãos envolvidos.

Ainda assim, os resultados mostram avanços significativos. Dados apresentados indicam redução de efeitos colaterais a zero durante os anos de vigência da medida, além do fortalecimento da atividade de inteligência e da integração com o Ministério Público, que passou a acompanhar o planejamento e a execução das operações em tempo real.

“Essa aproximação foi fundamental. Mostramos o quanto é complexa e arriscada uma operação policial aérea em ambiente urbano, e isso trouxe mais compreensão institucional sobre o nosso trabalho”, afirmou o Tenente-Coronel Vaz.


Resultados operacionais e segurança de voo

Os dados operacionais apresentados indicaram estabilidade nas ocorrências envolvendo disparos contra aeronaves, além de resultados consistentes em apreensões e prisões de lideranças criminosas.
O palestrante destacou, contudo, que a sofisticação das barricadas e das defesas armadas das organizações criminosas aumentou significativamente durante o período de restrição, exigindo novas táticas e maior integração entre os grupamentos terrestres e aéreos.

“Hoje, as barricadas são eletrificadas, controladas remotamente, e acendem em sequência automática quando percebem o helicóptero. É um cenário de guerra tecnológica”, relatou.


Fim das restrições e perspectivas

Em abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal julgou o fim das restrições ao uso de helicópteros e da necessidade de justificar a excepcionalidade.

Atualmente, a aviação policial do Rio de Janeiro retomou plenamente suas atividades, mantendo, entretanto, os protocolos de transparência e prestação de contas que foram consolidados ao longo do período.

O Tenente-Coronel Vaz encerrou sua palestra com uma reflexão sobre o futuro:

“Espero que nenhum outro estado passe pelo que enfrentamos. A responsabilidade jurídica de quem comanda e toma decisões é enorme. Mas também aprendemos muito — e hoje temos uma aviação mais madura, técnica e responsável.”


Assista à palestra completa

📺 Assista ao vídeo da palestra completa do Tenente-Coronel Marcelo Vaz e entenda como a ADPF 635 impactou a aviação policial no Rio de Janeiro e o que foi aprendido nesse processo.