Decolagens de máximo desempenho e tomadas de decisões

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No verão passado, participei de um evento de passeios de helicóptero em um aeroporto. Haviam três de nós nos helicópteros Robinson R44, todos saindo da mesma pista, que era bastante pequena, e rodeados pelos três lados por aeronaves estacionadas e observadores. Cronometramos os nossos voos para que apenas um de nós ficasse em solo de cada vez, compartilhando uma tripulação de 3 pessoas em solo que incluía dois carregadores. É isso mesmo, fizemos carregamento com o helicóptero em operação. (As técnicas de segurança para a realização deste procedimento ficarão para um outro artigo totalmente diferente.) A pista de pouso estava protegida, portanto não precisamos nos preocupar com as pessoas circulando no nosso percurso de voo ou atrás de helicópteros estacionados.

A pista de pouso abria-se para a pista de taxiamento do aeroporto, então havia um percurso de partida perfeito para as decolagens, bem no estilo dos manuais: 1.5 – 3 metros do solo a 45 nós e inclinação longitudional a 60. Tratava-se de uma configuração quase que ideal para passeios e, de fato, fizemos vários.

No entanto, um dos pilotos estava consultando uma página diferente do manual: aquela que fala sobre decolagens de máximo desempenho. Ao invés de voltar para a pista de taxiamento e operar a partida sobre ela, ele deu uma arrancada na inclinação longitudional diretamente sobre a pista de pouso e decolou em direção à pista de taxiamento, sobrevoando as aeronaves estacionadas e alguns observadores. Toda vez que ele fazia isto, ele subia um pouco mais alto antes de partir.

Eu estava a caminho toda vez que ele partia e presenciei esta situação pelo menos quatro vezes, até que lhe pedi para parar. (Eu era o ponto de contato do evento, portanto era o encarregado disto.) A sua resposta imediata pelo rádio foi um simples “Tudo bem”. Mas, depois, ele voltou e perguntou por que não poderia fazer uma decolagem de máximo desempenho.

Não acreditei que ele não conseguia compreender que o que estava fazendo não era uma boa ideia. A rádio estava ocupada e fui breve: “Porque não há motivo para fazê-la.”

O Objetivo

O capítulo Manobras de Voo Avançadas do Manual de Voo do Helicóptero [Helicoper Flying Handbook] da Administração Federal de Aviação (FAA) dos EUA (FAA-H-8083-21A; baixe gratuitamente em FAA) descreve a decolagem de máximo desempenho da seguinte maneira:

A decolagem de máximo desempenho é usada para elevar o helicóptero  a um ângulo acentuado para remover as barreiras da rota aérea. Ela pode ser usada quando a decolagem ocorrer em áreas pequenas rodeadas de obstáculos altos. Ela serve para a decolagem vertical quando há dúvidas sobre o espaço livre da área, embora esta não seja sempre a mais adequada. Antes de tentar uma decolagem de máximo desempenho, é preciso saber muito bem os recursos e as limitações dos equipamentos. Também leve em conta a velocidade do vento, a temperatura, a altitude de densidade, o peso bruto, o centro da gravidade (CG) e outros fatores que afetam as técnicas do piloto e o desempenho do helicóptero.

Este tipo de decolagem possui um objetivo específico: remover as barreiras nas rotas aéreas. O piloto pode fazer uso dela quando estiver partindo de uma pista de pouso limitada ou se as condições do vento de cauda e de carregamento afastarem os obstáculos perigosos da operação de partida.

Os Riscos

Esta é uma manobra “avançada” não só porque ela exige mais habilidade do que uma decolagem normal, mas também porque ela coloca riscos adicionais. O Manual de Voo do Helicóptero ainda diz:

Em condições de vento leve ou sem vento, pode ser necessário operar nas áreas sombreadas do diagrama altura/velocidade durante o início da manobra.  Portanto, fique atento ao risco calculado quando estiver operando nestas áreas.  Uma falha no motor com velocidade aerodinâmica e altitude baixas pode colocar o helicóptero em uma situação perigosa, demandando um alto grau de habilidade para operar um pouso autorotativo com segurança.

E este era o meu problema. O piloto havia decidido operar deliberadamente e sem necessidade na área sombreada do diagrama altura/velocidade com passageiros a bordo e sobre uma área do aeroporto cheia de aeronaves e observadores.

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Diagrama Altura/Velocidade do Robinson R44 Raven II. O voo diretamente para cima coloca todos na “Curva do Homem Morto”.

Ver o que ele estava fazendo automaticamente colocava o meu cérebro a pensar “e se…”. Se acontecesse do motor falhar com o helicóptero a 15 – 21 metros do solo com praticamente nenhuma velocidade aerodinâmica para frente, esse helicóptero cairia direto no chão, provavelmente matando todos a bordo. Como as partes móveis caem soltas, elas voariam pelo ar, batendo na aeronave e nas pessoas. Haviam facilmente mais de 1.000 pessoas no evento, inclusive muitas crianças. A minha imaginação visualizou uma cena de pós-acidente horrível.

Quais eram as chances de uma coisa deste tipo acontecer? Na verdade, poucas. São raras as falhas de motor nos helicópteros Robinson.

Mas, os riscos inerentes a este tipo de decolagem excedem os riscos associados a uma decolagem normal que mantêm o helicóptero fora da área sombreada do diagrama altura/velocidade. Então, por que correr riscos?

Só Porque Você Pode Não Significa Que Você Deve

Tudo isto leva a uma das coisas mais importantes que temos que considerar quando estamos voando: discernimento.

Eu sei o porquê do piloto fazer as decolagens de máximo desempenho: ele estava fazendo uma espécie de show para os observadores. Todo mundo acha helicóptero uma coisa legal e todo mundo quer ver os helicópteros fazendo algo que os aviões não podem fazer. Voar diretamente para cima é um bom exemplo disto. Este piloto resolveu dar uma demonstração aos observadores.

Não há nada de errado em um piloto experiente querer exibir as capacidades de um helicóptero, mas será que isto deveria ser feito com passageiros a bordo? Em uma área cheia de gente? Ao executar uma manobra que coloca o helicóptero em um regime de voo, nós aprendemos a evitar?

Um piloto responsável diria que não.

Um artigo de setembro de 1999 de Robert N. Rossier publicado na revista Flight Training da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (AOPA) discute “As Atitudes Perigosas”. Nele, o autor descreve a chamada atitude viril.  Ele diz:

No extremo do espectro, as pessoas com uma atitude viril e perigosa sentirão uma necessidade de comprovar constantemente que são melhores pilotos que outros e aproveitarão chances insensatas para demonstrarem a sua capacidade superior.

Será que o desejo deste piloto de exibir-se em frente aos espectadores é um sintoma de uma atitude viril? Será que isto afetou o seu discernimento? Acho que é um sintoma, sim, e acho que afetou seu discernimento.

Os helicópteros podem desempenhar uma ampla gama de manobras que são simplesmente impossíveis para outras aeronaves. Como pilotos de helicóptero, muitas vezes nos sentimos tentados a nos exibir aos outros. Mas, um piloto responsável sabe ignorar a tentação e usar o bom discernimento quando voa. Esta é a melhor forma de ficar seguro.

Fonte: AOPA Hover Power/ Reportagem: Maria Langer

1 COMENTÁRIO

  1. Esse excelente texto, me fez lembrar das intensas aulas que os americanos me instruíam para as chamadas “Hazardous Attitudes” (Atitudes perigosas) e seus respectivos antídotos. Seguem:

    HAZARDOUS ATTITIDE ANTIDOTE
    Antiauthority: Don’t tell me. Follow the rules. They are usually right.
    Impulsivity: Do something quickly. Not so fast. Think first.
    Invulnerability: It won’t happen to me. It could happen to me.
    Macho: I can do it. Taking chances is foolish.
    Resignation: What’s the use? I’m not helpless. I can make a difference.

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