Compreendendo a causa do erro no processo de debriefing de instrução de voo
20 de outubro de 2025
8min de leitura
Rafael Pelizzon Ferreira Ten Cel Av FAB
Bons pilotos nas forças de segurança pública fazem uma grande diferença na qualidade do serviço prestado à população e, principalmente, na segurança daqueles que estão sendo apoiados, sejam os próprios tripulantes ou a equipe em solo. O processo de formação desse bom piloto é sustentado por uma instrução de voo eficiente, na qual devem ser planejados objetivos de aprendizagem que contribuam efetivamente para o desenvolvimento das competências necessárias ao seu trabalho.
Quem já passou por um voo de instrução sabe que o debriefing pode ser tão importante quanto o próprio voo. É o momento em que instrutor e aluno analisam o que deu certo e o que precisa melhorar. Não é raro que a conversa se resuma a uma lista de erros ou deficiências apontados pelo instrutor com base em suas impressões. É a maneira como muitos pilotos foram formados até hoje e com a qual estão acostumados quando assumem a tarefa de ensinar.
No entanto, alguns pontos devem ser esclarecidos para que o instrutor compreenda melhor seu papel e consiga ajudar o aluno a entender a origem das deficiências ocorridas no voo. Esse processo é o que diferencia um feedback momentâneo de um aprendizado sólido e duradouro.
O que é o erro
O Aviation Instructor Handbook da FAA apresenta duas categorias de erro cometidos pelo aluno: o deslize (slip), que ocorre quando ele planeja algo de forma correta, mas executa errado de maneira não intencional (seja por omissão, confusão com coisas semelhantes, pressão do tempo ou hábitos enraizados); e o engano (mistake), que acontece quando o aluno executa adequadamente algo que planejou de forma incorreta (causado por lacuna de conhecimento ou concepção errada do assunto).
O instrutor deve ter cuidado ao apontar o erro. Em geral, o que se observa é uma discrepância entre o que o aluno faz e o que deveria ser feito — a aeronave mantendo proa diferente da solicitada, altitude 100 ft acima ou abaixo da perna-do-vento, velocidade superior ao pretendido, entre outros.
É comum que o instrutor identifique essa discrepância e já conclua que o aluno nivelou antes do previsto, não aplicou o pedal corretamente ou não compensou a aeronave de forma adequada.
E é justamente aí que reside a armadilha: esse tipo de apontamento é uma inferência do instrutor, ou seja, uma dedução baseada na percepção de que algo foi feito de forma diferente do previsto. A qualidade dessa dedução depende tanto da percepção quanto da experiência do instrutor. Assim, por melhor que seja a intenção, pode ser que a causa apontada não corresponda ao que realmente originou o erro — levando a orientações que não promovem melhora efetiva no desempenho. Quando o aluno percebe que a explicação não faz sentido, a credibilidade do instrutor fica comprometida.
O ponto central é compreender que o erro percebido geralmente é apenas o efeito de algo que o aluno fez ou deixou de fazer. Atuar sobre o efeito pode ter resultados superficiais. A missão do instrutor é investigar a causa raiz desse efeito, para então corrigi-la e propor uma solução realmente eficaz.
Delimitando a causa raiz do erro
Quando o debriefing se limita ao monólogo do instrutor e às respostas passivas do aluno, sua efetividade para o aprendizado é baixa.
A peça fundamental é aquilo que o aluno fala. Isso acontece por duas razões: a primeira, porque ele compartilha suas impressões e intenções durante o voo; a segunda, porque desse modo, ele chega às conclusões de forma ativa, desenvolvendo senso crítico em vez de apenas absorver as opiniões do instrutor.
A Força Aérea dos EUA recomenda, em seu processo de debriefing, que o instrutor conduza a investigação da causa raiz com protagonismo do aluno. O primeiro passo é delimitar o que foi entendido como erro e verificar se o próprio aluno reconhece aquilo como erro. Afinal, nem toda variação no voo é necessariamente falha; algumas podem ser apenas desvios eventuais daquilo que fora programado fazer (troca de sequência de exercícios por força maior ou necessidade de adotar um perfil de voo distinto do planejado).
A chave do processo é o uso constante do “porquê”: Por que houve variação na perna-do-vento? Por que o aluno ultrapassou a restrição no procedimento de descida? Por que metade dos pousos foram à direita da faixa central da pista?
A partir daí, deve-se classificar o erro conforme sua natureza: percepção, decisão ou execução — comparável às etapas de um sistema: entrada (input), processamento e saída (output).
Erro de percepção
Quando o aluno explica suas ações, o instrutor consegue avaliar se houve percepção correta, percepção equivocada ou ausência de percepção.
Se a resposta for “não lembro”, isso indica baixa consciência situacional. Nesse caso, cabe ao instrutor reconstruir o cenário para ajudar o aluno a retomar a memória do ocorrido.
Se a percepção foi equivocada, o instrutor deve avaliar se o aluno sabia o que observar e quando observar, e se isso não havia sido explicado para ele anteriormente. Se não sabia, pode-se concluir que pode ter ocorrido falha de instrução — pode ser que a causa do erro estava no briefing que o instrutor ministrou ao aluno. Caso contrário, a origem pode estar em algo que ocorreu durante o voo, como: o bloqueio físico da referência (visibilidade limitada pela aeronave, cabine ou mesmo o outro piloto) ou equipamento, falta de atenção, saturação de tarefas, falha na priorização ou interpretação incorreta de referências.
Se a percepção foi correta, o input de informações foi adequado, então o problema pode estar no processo de decisão ou de execução.
Erro de decisão
Com a percepção adequada, o próximo passo é questionar a intenção do aluno: “O que você quis fazer neste momento?”
As respostas se distribuem em três categorias: decisão errada, explicação fora de contexto ou decisão correta.
No caso da decisão errada, o instrutor deve verificar se o briefing foi suficiente. O aluno compreendeu a lógica do procedimento? Seu plano mental estava adequado para a situação? Identificada a falha na decisão, o instrutor deve mostrar seu impacto no voo e propor uma correção prática.
Se a resposta do aluno não se relaciona com a pergunta, significa que ele não entendeu o questionamento. O instrutor deve reformular a pergunta até obter a resposta desejada. Já se a decisão foi correta, resta investigar a execução.
Erro de execução
Quando percepção e decisão foram adequadas, mas o resultado ainda assim foi insatisfatório, a causa está na execução. Nesse caso, a análise deve se concentrar na sequência de ações realizadas: atuação nos comandos de voo, nos motores, nos sistemas de navegação, entre outros.
Muitas vezes o próprio aluno não recorda detalhes de sua execução, o que exige do instrutor sensibilidade para identificar pequenos desvios e reconstruir o cenário. Esses erros tendem a ser mais fáceis de observar, mas não menos importantes, pois revelam limitações de coordenação motora, automatização insuficiente de procedimentos ou até deficiências em treinamentos anteriores. É fundamental que o instrutor mostre ao aluno como esses detalhes impactaram o voo e sugira correções para fortalecer a execução correta.
Conclusão
O processo de debriefing, quando conduzido com foco na causa raiz do erro e no protagonismo do aluno, transforma-se em uma poderosa ferramenta de aprendizado. Ele deixa de ser um simples relato de falhas e passa a ser um espaço de construção ativa de conhecimento, fortalecendo tanto a técnica quanto o senso crítico do futuro piloto.
Mais do que identificar deslizes, enganos ou falhas de execução, o papel do instrutor é cultivar no aluno a habilidade de compreender seus próprios processos de percepção, decisão e ação. Esse autoconhecimento é o que permitirá que, em situações reais e sob pressão, ele saiba analisar, corrigir e melhorar sua performance de forma contínua.
Em última análise, compreender a causa do erro não é apenas um exercício didático, mas um compromisso com a formação de pilotos mais conscientes, preparados e seguros — profissionais capazes de proteger vidas e cumprir missões críticas com excelência.
Sobre o autor: Rafael Pelizzon Ferreira é Ten Cel Av FAB, instrutor de voo de helicópteros desde 2013, tendo ministrado instrução nos helicópteros H-60L Blackhawk, H-50 Esquilo e no drone RQ-450.
Material de referência Federal Aviation Administration (FAA). Aviation Instructor’s Handbook (FAA-H-8083-9B). Washington, D.C.: U.S. Department of Transportation, Federal Aviation Administration, 2020. 435th Fighter Training Squadron (435th FTS). Brief/Debrief Guide. 06 Dec. 2017. Randolph AFB, TX: United States Air Force. DUARTE PEREIRA, Felipe de Barros Lima. Método estruturado de debrifim de voo para melhora de performance operacional dos pilotos da Força Aérea Brasileira. Rio de Janeiro: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica, 2024.
Para assinar nossa newsletter basta inserir seu endereço de e-mail no formulário ao lado. Fique tranquilo, respeitamos sua privacidade e somente enviaremos conteúdo útil pra você.
Enviar comentário