Mayday, Mayday! Fadiga a Bordo!

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DENISIA FERREIRA OLIVEIRA
Capitã PM, psicóloga e piloto policial de helicóptero, atualmente trabalha no Comando de Aviação do Estado (COMAVE) de Minas Gerais.

FABIANA SANTOS REZENDE
1º Tenente e psicóloga do Quadro de Oficiais de Saúde, atualmente trabalha no Núcleo de Apoio Psicológico do COMAVE.

No meio aeronáutico um grande investimento em tecnologias , capacitação das tripulações e padronização de procedimentos, com objetivo de aumentar o nivel de segurança das operaçoes. apesar disso, Apesar disso, verifica-se que os acidentes ainda ocorrem, sendo a fadiga do aviador um dos fatores contribuintes. A esse respeito, Kube (2010) relata que em 35% dos casos de acidentes há a presença da fadiga do aviador, embora essa seja uma questão quase sempre ignorada pelos operadores aéreos.

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A Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO) define fadiga como um estado fisiológico de redução da capacidade de desempenho mental ou físico, resultante da perda de sono ou a vigília prolongada, ciclo circadiano, ou carga de trabalho (atividade mental e/ou física), que pode prejudicar o estado de alerta de processo, Kanashiro (2005) cita dois componentes ativadores da fadiga no organismo: um componente central, que atua no ciclo sono-vigília e um componente no eixo hipotálamo-hipofisário que coordena a liberação de cortisol, hormônio esse que mobiliza o corpo a reagir diante de situações de estresse. A constante liberação de cortisol leva à fadiga, que prejudica  processos psicológicos como atenção, percepção, memória, consciência situacional, julgamento e tomada de decisão (Kube, 2010) e, portanto, compromete a atuação do aviador, deixando-o mais suscetível a erros e aos acidentes.

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“Mayday é a chamada radiotelefônica de emergência ou socorro, versão anglicizada do francês m’aider ou m’aidez, que significa ‘venha me ajudar’. Utilizada principalmente nas navegações marítimas e aeronáuticas, faz parte do Código internacional de sinais e do Código Fonético Internacional”

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mayday. Acesso: 18/01/2015.

No caso do ciclo sono-vigília, constata-se que durante o sono, são realizados diversos processos fisiológicos e sua restrição pode provocar sonolência aumentada, desorientação, irritabilidade, mudanças de humor, dificuldade de concentração e a fadiga. Estudos sobre o trabalho realizado em turnos, bem como sobre o trabalho noturno, indicaram reflexos negativos que prejudicam o bem-estar e a saúde do trabalhador. Fischer et al. (2009) destaca que algumas doenças crônico-degenerativas estão associadas a essa rotina. Os efeitos do trabalho em turnos e noturno sobre a saúde vão desde os chamados sintomas sub-clínicos (dores de cabeça, irritabilidade, sonolência excessiva e lapsos de memória) até os mais graves (distúrbios gastrointestinais e degenerativos, como o diabetes tipo II, doenças cardiovasculares e psiconeuróticas).

Em uma única noite, os indivíduos passam por diversos estágios de sono, desde o mais superficial até o mais profundo. A interrupção dos estágios de sono pode ter graves consequências, pois influencia todas as funções do cérebro e do organismo em geral. Dependendo da carga de trabalho e do tempo de privação do sono, podem ocorrer distorções de percepção e alucinações, principalmente de natureza visual (Carmo, 2013). Verifica-se, dessa forma, que o sono é um poderoso regulador da capacidade de atuação dos indivíduos pois, dentre outras coisas, permite a recuperação da capacidade física e mental, além de processar nossas experiências diárias. A qualidade do sono, portanto, é essencial para ativação da memória e capacidade reativa, habilidades fundamentais e requeridas de um piloto.

A fadiga e a aviação de segurança pública

Por qual motivo ainda ocorrem acidentes aéreos decorrentes da fadiga?

De nada adianta alta tecnologia, se um erro de julgamento ou a tomada de decisão inadequada levar o piloto a falhar. Carmo (2013) ressalta que o elo mais frágil da segurança de voo é, sem dúvidas, o Homem. “(…) é sabido que no sistema aeronáutico composto de Homem – Máquina – Ambiente/Organização, o homem é a parte mais flexível e valiosa devido a sua capacidade de gerenciar e tomar decisões. Concomitantemente ele é a parte mais vulnerável do sistema em face de sua sensibilidade e suscetibilidade aos estímulos do contexto no qual está inserido. E, por isso mesmo, falhar é algo que faz parte da sua natureza, algo que lhe é inerente.” (MOREIRA, 2001, p. 37-38)
Para tentar minimizar os efeitos dessa “vulnerabilidade” é necessário uma série de adaptações físicas e psicológicas, moldando o homem às necessidades externas, como as de trabalho contínuo para serviços essenciais de 24 horas, o que, por si só, altera, sobremaneira, o ciclo circadiano [1] dos indivíduos, levando-os à situação de fadiga. “Os efeitos da atividade contínua e irregular, a carga de trabalho, influências de ritmos biológicos circadianos e a falta ou deficiência de sono sugerem o fenômeno da fadiga.” (CARMO, 2013, p. 894)

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Na opinião de Kube (2010), é inevitável que os pilotos se envolvam em variadas e adversas condições de trabalho, que prejudicam a saúde, a qualidade de vida e a segurança de voo. Carmo (2013), indica os seguintes fatores como potencializadores desta condição: falta de pessoal especializado, a imprevisibilidade, os atrasos, os longos períodos de serviço, a necessidade da missão, as atividades imprescindíveis de planejamento do voo e de manutenção aeronáutica.

No que diz respeito à aviação de asas rotativas, os efeitos das vibrações e dos ruídos nos órgãos dos sentidos, na desorientação espacial e na coluna vertebral, após longas horas de voo em um helicóptero, tornam-se importantes fatores que contribuem para a fadiga. Estes fatores isolados ou associados à privação do sono, vigília estendida, quebra do ciclo circadiano e carga de trabalho, podem remeter à fadiga geral do piloto.  (CRUZ, 2005  apud CARMO, 2013) [2].

No caso específico das atividades de Aviação de Segurança Pública, o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 91 (RBHA 91) autoriza situações especiais de voo para as aeronaves caso seu deslocamento seja para proteção e o socorro público. A este respeito, especialmente no que se refere às aeronaves de asas rotativas, Carmo (2013) destaca que as características das missões em segurança pública e defesa civil tendem a se somar aos aspectos da fadiga, trazendo repercussões para o desempenho físico quanto mental do piloto.

Nessa dinâmica de trabalho, as demandas em etapas, os atendimentos múltiplos em um mesmo voo e as mudanças constantes de situações e ambientes, podem sobrecarregar a atividade e causar mais impacto do que a duração da jornada. Assim sendo, nem sempre o número de horas trabalhadas nas atividades de segurança pública e defesa civil são proporcionais à fadiga da tripulação das aeronaves de asas rotativas, havendo variações conforme a carga de cada missão.

Considerando a possibilidade de uma intervenção organizacional, Ribeiro (2001) cita três condições mínimas para favorecer um ambiente de trabalho saudável, mesmo nessas condições: a) o treinamento contínuo, que mantém a proficiência técnica e habilidades do voo em dia, além de promover estado interno de segurança; b) a constância do voo, que oferece a quantidade de horas necessárias para a manutenção da operacionalidade, bem como o refinamento qualitativo das habilidades psicomotoras e cognitivas exigidas; e, c) a manutenção dos períodos de descanso e lazer, o que promove saúde psíquica ao repor energia necessária e evita a fadiga.

Carmo (2013) ressalta que as organizações devem antecipar-se e instalar meios para detectar a fadiga, envolvendo os pilotos e criando formas proativas de prevenção. Devem, ainda, desenvolver processos preditivos, com modelos probabilísticos e ferramentas tecnológicas, capazes de indicar missões, rotinas e pilotos que estarão suscetíveis à fadiga.

Em nível pessoal, Ribeiro (2001) recomenda que cada tripulante desenvolva mecanismos de identificação dos estressores e das reações do organismo frente aos mesmos, de forma a se antecipar e procurar saídas positivas, evitando assim, a instalação da fadiga.

Com relação à atividade específica dos pilotos de helicóptero, as vibrações sobre os músculos e a coluna dentro da aeronave requerem, inclusive, um cuidado maior com o aspecto físico do indivíduo. A prevenção de lesões por meio de alongamentos da coluna e da musculatura corporal, além da prática de atividade física regular, são estratégias altamente recomendadas pelos especialistas, nestes casos.

São inúmeros os benefícios da atividade física para mitigação da fadiga no aviador e mesmo para qualquer indivíduo. Além de condicionamento físico e do contro- le dos processos bio-fisiológicos, o hábito da prática de atividade física gera bem-estar e permite a manutenção do bom estado de humor das pessoas. O apoio sócio familiar também atua ativamente na prevenção da fadiga. O suporte afetivo, proveniente das relações interpessoais, funciona como um pilar para o desenvolvimento de comportamentos positivos tais como autocuidado, motivação, autoproteção e autoconfiança.

Outro importante aspecto individual, que pode ser gerenciado pelo indivíduo na ausência de distúrbios associados, é o sono. Como já dito antes, por ser considerado uma necessidade humana básica, precisa ser tratado com seriedade. Primeiramente, é preciso criar uma maior consciência sobre a importância do descanso e do sono. Segundo, é preciso monitorar e adaptar a rotina para que a quantidade e a qualidade do sono sejam preservadas.

“São inúmeros os benefícios da atividade física para mitigação da fadiga no aviador e mesmo para qualquer indivíduo. Além de condicionamento físico e do controle dos processos bio-fisiológicos, o hábito da prática de atividade física gera bem-estar e permite a manutenção do bom estado de humor das pessoas.”

No caso de trabalhos que variam entre turnos e noturno, Fischer et al. (2009) elencam alguns critérios amenizadores dos efeitos nocivos sobre a saúde do indivíduo. Os resultados de seu estudo mostraram que, para o indivíduo, o rodízio de turnos de trabalho é mais benéfico para a saúde do que os turnos noturnos fixos. Entre os critérios preventivos apresentados, sugere-se, principalmente: redução do número de noites consecutivas de trabalho, rodízio de turnos constante, aumento de folgas nos finais de semana e permissão de pausas intrajornadas para descanso e sono.

Considerando a recente utilização da tecnologia do Óculos de Visão Noturna (OVN) na aviação de Segurança Pública, é importante ressaltar que trata-se de equipamento que intensifica a luz ambiente residual e permite aos operadores enxergar mesmo em ambientes desprovidos de luz. Mediante visão assistida, a tecnologia torna o que é totalmente escuro em visível e aumenta o alerta situacional. Contudo, apesar de permitir uma operação noturna com helicópteros mais segura e eficiente, existem recomendações que devem ser seguidas para o gerenciamento da fadiga nos voos com OVN. Rodrigues (2015) destaca que, cada hora de voo realizada com o equipamento equivalem a 2:20h com visão não assistida, no que se refere a fadiga. Ainda conforme o mesmo autor, o limite do tempo de voo com o uso da tecnologia deve ser limitado a 2 horas contínuas e, no máximo um total de 6 horas por turno de serviço, o qual não deve ultrapassar 12 horas seguidas. Após a utilização do equipamento em um turno de serviço, é necessário um descanso de 12 horas contínuas, antes da próxima jornada. (RODRIGUES, 2015).

Para abordar o tema da fadiga na aviação, a ICAO emitiu em 2012 recomendações a serem seguidas pelos países membros. O Brasil, além de signatário dessa Organização, ainda possui a Lei 13.475, de 28 de agosto de 2017, que dispõe sobre o exercício da profissão de tripulante de aeronave, cujo texto está em consonância com as Recomendações da ICAO, estabelecendo mínimos para as operações aéreas.

Se adotados todos esses cuidados, mas ainda sim sentir-se fadigado, cabe ao profissional da aviação indicar tal condição e pedir seu afastamento da missão, pelo risco de comprometer a segurança própria e de outras pessoas. Além disso, por reconhecer o erro humano como algo possível de acontecer, organizações preocupadas com a segurança operacional, incentivam o reporte de qualquer situação que possa vir a comprometer o bom andamento das atividades e, portanto, cuidam para que o gerenciamento da fadiga seja efetivo.

A ação do piloto em admitir uma limitação de suas capacidades devido à fadiga e a política das empresas aéreas que incentivam o reporte dessas situações vão ao encontro dos princípios da Segurança Operacional, pois a pressão por realizar a missão não pode desconsiderar os perigos e os riscos envolvidos em cada pouso e decolagem. A mobilização geral em prol da segurança é uma importante barreira que contribui consideravelmente para a prevenção de situações potencialmente causadoras de acidentes. E finalmente, é importante ter em mente que, diferentemente das perdas materiais, a vida humana tem valor imensurável: saber reconhecer limites e dizer não quando for preciso, contribui para a preservação da integridade dos operadores aéreos.

Fonte: Revista “O Águia” – 4ª Edição

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Notas

[1] “Ritmo circadiano ou ciclo circadiano (do latim circa cerca de + diem dia) designa o período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, (…) regula todos os ritmos materiais bem como muitos dos ritmos psicológicos do corpo humano, com influência sobre, por exemplo, a digestão ou o estado de vigília e sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ritmo_circadiano. Acesso: 05/02/2015.

[2] CRUZ, Ronaldo V. Fundamentos da Engenharia de Helicópteros e Aeronaves de Asas Rotativas. Material de aula. Programa de Especialização Lato-Sensu em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada. São José dos Campos, ITA, 2005.

 

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