O incêndio do Edifício Andraus pelo Comandante Sayão
26 de outubro de 2012 11min de leitura
WALMYR FONSECA SAYÃO
O site Piloto Policial publicou artigo denominado Os Heróis existem – O Incêndio do Edifício Andraus e vem sendo um dos mais acessados artigos do site, além de possuir mais de 40 comentários, mas no dia 07 de setembro, tivemos a grata satisfação de receber uma contribuição inestimável e que a “santa internet” propiciou: um relato do Comandante Sayão sobre sua participação nesse incêndio. Sayão, PCH 29, hoje com 74 anos e morando no Rio de Janeiro, relembra alguns acontecimentos e reconduz a história, apresentando fatos nunca escritos.
A história viva
Estava tranquilamente assistindo televisão, quando ouvi meu neto gritar:
– Vovô, vovô o Senhor está na internet.
Corri para ver do que se tratava, e constatei que várias pessoas que participaram do salvamento às vítimas do incêndio do Edifício Andraus na Cidade de São Paulo, manifestavam a respeito de seus feitos e de outrem.
Evidentemente que no primeiro momento fiquei contente com o desfilar de opiniões, congratulações, dentre outras que eram feitas aos heróis, inclusive com opiniões e louvores aos feitos dos vários participantes do salvamento. Feitas por pessoas do povo. Assim, eu conto como eu vivi e vi o incêndio do Andraus.
A decisão de ir
No dia do incêndio estava voando com um capitão da Aeronáutica, o qual checava as condições do helicóptero para liberá-lo para os voos cotidianos, após manutenção que havia sido feita. Durante o voo percebemos que o Edifício Andraus estava em chamas. Comentei com o capitão e externei a minha vontade de ir para lá, ele ponderou que não poderia ir, pois tinha vários problemas para resolver, mas que o helicóptero havia passado na vistoria e eu estava liberado para ir para lá.
Ao pousar para deixar o Capitão veio conversar comigo o mecânico Brizzi e um engenheiro da COMASP, a quem pertencia o helicóptero. Brizzi ao ficar sabendo que eu pretendia ir ao Andraus, pois ele estava pegando fogo, prontificou-se em me acompanhar. Decolei e participei à Torre do Campo de Marte o que estava acontecendo.
O que viu no local – terror
Partimos em direção ao Andraus por volta das 16H00, lá chegando percebemos que não poderíamos pousar, pois havia muitas antenas de rádios e torres de ferro e fios, impossibilitando o pouso, assim, Brizzi abriu a porta do helicóptero e começou a gritar para que as cinquenta pessoas que se encontravam ali no heliporto, derrubassem tudo que pudesse interferir no pouso do helicóptero.
Na terceira passagem, como num passe de mágica, o heliporto estava livre para o pouso. Ao me aproximar já percebia o empurra-empurra das vítimas que se aproximavam da aeronave logo que pousei. Assim que o Brizzi abriu a porta e pisou na laje, retornou para o helicóptero gritando – decola, decola! Imediatamente, tirei o helicóptero do chão e perguntei ao Brizzi o que tinha acontecido, ele disse: – eles estavam se aproximando perigosamente do rotor de calda onde poderiam se acidentar, morrendo ou ficando gravemente feridos ao se chocar com o mesmo que é pouco visível, quando em funcionamento.
Ao fazer esta decolagem, um pouco brusca, notei que a temperatura da turbina tinha se elevado e que a rotação havia caído, com perda de potência, assim joguei o helicóptero de nariz para baixo na direção da Praça da República, onde se encontrava uma multidão considerada e consegui recuperar as condições de voo, talvez porque estava livre do ar contaminado com fuligem, fato que deve ter interferido com a temperatura e rotação do helicóptero.
O voo dos bombeiros
Notei que devido aos voos de experiência e o de vistoria estávamos com pouco combustível e o que tínhamos só daria para chegar ao Aeroporto de Congonhas e para lá nos dirigimos para reabastecer e reiniciar o salvamento. Ao fazer a curva notei uma grande clareira no meio da multidão e nesta clareira um grande “T” colocado pelos bombeiros pedindo a presença de um helicóptero para que eles pudessem ir para cima do edifício, ou seja, para o heliporto, pousei e o mecânico Brizzi saltou e se prontificou a dar o seu lugar aos bombeiros.
O Brizzi ficou na Rua São João em frente ao cinema Metro, e eu transportei para cima três policiais militares, um inclusive se encontrava à paisana, sem farda, pois segundo ele estava de folga, assim, subiram para o alto do edifício um tenente e dois sargentos, posteriormente, fiquei sabendo se tratar do Tenente Duxferri do bombeiro, e os outros dois de nomes Augusto Cazzaniga e Milton Serafim da Silva, ambos do COE, que levaram 100 metros de corda, cuja missão principal seria a de organizar a saída dos sobreviventes, pois se algum se chocasse com o rotor de calda, além de sofrerem lesões graves, o helicóptero não teria mais condições de voar com o danos que ocorressem, tornando o resgate das vítimas impossível de ser feito. Os três saltaram no topo do Edifício, no heliporto.
Enfim, o reabastecimento
Dirigi-me, então, ao Aeroporto de Congonhas para reabastecer. A entrada para o Aeroporto foi facilitada com a suspensão da operação, nenhum avião pousava ou decolava no Aeroporto durante o tempo que durou o salvamento. Assim, ao pousar para reabastecer o Administrador do Aeroporto veio me parabenizar, pois estavam ouvindo a Rádio Jovem Pan, e esta tecia muitos elogios à minha atuação, inclusive dizendo o meu nome, acredito que eles tiveram acesso ao nome pelo Brizzi, pois quando saltou do helicóptero na Av São João foi logo assediado pela imprensa.
O helicóptero Bell 204 do Estado de São Paulo, se encontrava abastecendo, foi quando o Comandante Souza me perguntou como estava a situação no heliporto, eu disse que estava sobre controle e que só havia umas cinquenta pessoas lá em cima, e ponderei que ele tivesse cuidado com as pessoas no rotor de calda, ele disse: – Não tem problema, pois o meu helicóptero tem o rotor de calda alto.
Terminado o abastecimento do Helicóptero Bell, o Comandante Souza dirigiu-se para ele, porém, pude notar que na cadeira de comando estava sentado o Coronel Gilson, da Aeronáutica (DAC – Departamento de Aviação Civil), justamente o oficial do DAC que fazia o check de pilotos, mais o mecânico do helicóptero.
O retorno ao local – o salvamento estava começando
Após a decolagem do helicóptero do Estado, decolei logo em seguida. Ao chegar no Edifício Andraus pude observar que o Bell acabava de pegar várias vítimas e preparava-se para decolar, tomei posição para pouso, guardando certa distância para não interferir com a sustentação do helicóptero do Estado, pois além da temperatura do local estar alta, tínhamos que ter cuidado com a turbulência que poderíamos provocar uns para os outros.
Ao pousar perguntei ao bombeiro Cassaniga o porquê de tantas pessoas no heliporto, já que quando do primeiro voo só havia mais ou menos cinquenta pessoas? Ele disse: – Comandante, quando o senhor nos deixou aqui pudemos ver um portão, grade de ferro no chão, trancado com um cadeado, impedindo que as pessoas que estavam no último andar conseguissem chegar ao heliporto, quando abrimos o portão mais de trezentas pessoas vieram para cá, providência divina, estamos com muitas dessas pessoas aqui passando mal, pois estão intoxicadas pela fumaça que tem ali embaixo. Assim, ponderei que ele orientasse aos outros pilotos que já começavam a chegar que levassem os doentes para o Campo de Marte, pois lá tinha hospital e seriam imediatamente atendidos, mesmo assim alguns helicópteros no afã de socorrerem, retirarem lá de cima as vítimas, deixando-as em vários lugares como: Pacaembu, Praças, no topo de outros edifícios, dentre outros.
Os participantes
Participaram, efetivamente, do resgate dos sobreviventes do Andraus vários helicópteros, a saber:
Uma decisão – era a segurança de voo atuando
No decorrer dos voos de salvamento os coronéis que coordenavam a operação acharam por bem convidar os pilotos das aeronaves Hughes 300 e Enstrom F 28A, que parassem as suas operações, pois os seus helicópteros eram movidos a gasolina de aviação, altamente inflamável, e que usavam motores a pistão, ou seja, motores Lycoming de 180 HP – HIO – equipados com tubulações e mangueiras inadequadas para o tipo de voos que estavam sendo feitos, devido às altas temperaturas do Edifício.
Com essa determinação, somente continuaram na tarefa dos resgates os helicópteros movidos a querosene e equipados com turbinas e que tinham tubulações e mangueiras de combustível preparadas para resistirem a altas temperaturas, bem como vibrações produzidas por estes helicópteros, além de serem de maior porte e retirarem mais pessoas, haja vista que o mínimo de passageiros que eram retirados por viagem era em número de quatro. Por outro lado, os helicópteros movidos a gasolina, sensíveis às altas temperaturas, tiravam dois ou um passageiro por viagem, retardando o socorro dos helicópteros maiores, pois estes eram obrigados a ficarem esperando estes pequenos helicópteros a fazerem aproximações e decolagens difíceis por falta de potência.
Dos helicópteros pequenos o que mais passageiros tirou foi o PT-HBM com cinco passageiros. Pilotado pelo Comte. Leo Waddington Rosa. Após a retirada dos helicópteros Hughes 300 e dos F 28A, ficaram até o final do incêndio os helicópteros: PP-EES – PP-ENC –PP-HDH – PP-HBN – PT-HDC.
Uma breve reflexão
O aqui exposto não tem a finalidade de tirar os méritos ou discutir atos heroicos, mas sim o de se esclarecer o que eu realmente vi e vivi com referência ao incêndio do Andraus, a primazia de ter feito o primeiro ou segundo pouso, acredito que não tenha importância nenhuma, nem fará deste piloto importante do que os outros, da mesma forma quanto ao número de pessoas retiradas, salvas por estes pilotos, o que importa nesse caso é que todos que participaram sejam lembrados por aqueles que têm acesso à mídia, que todos arriscaram suas vidas, uns mais que os outros, porém trabalhando em equipe, pois só assim foi possível transformar o resgate das vítimas do Andraus com sucesso.
Recordações
Durante a leitura do artigo recordei-me do velho helicóptero PT-HBM que voei muitas horas sobre a Selva Amazônica em 1968, e meu colega Comandante José Monteiro de Aguiar, que também voou muitas horas neste helicóptero sobre a Selva Amazônica, tendo sido o primeiro homem a pousar na Serra dos Carajás, quando do seu descobrimento.
Quis o destino que o Comandante Aguiar viesse a morrer no PT-HBM, em São Paulo, ou seja, quando fazia o trabalho de patrulhamento sobre a Rodovia Raposo Tavares em companhia de um Major da Polícia Militar de São Paulo, aonde os dois faleceram quando o PT-HBM chocou-se com a rede elétrica que atravessava a rodovia.
O verdadeiro herói
Ao ver a reportagem no site me deparei com a foto que vi em 1972, onde um bombeiro carrega nos braços uma menina, salvando-a do incêndio, ou seja, afastando-a da área de perigo. Para mim, em que pese fotos de paisagens, flores, campinas, mares, lagoas e montanhas, esta fotografia é a mais bela, principalmente, porque após quinze dias deste feito o soldado bombeiro, que nela aparece, morreu, quando o caminhão dos bombeiros em que viajava capotou quando ia para os lados de Osasco socorrer vítimas de incêndio.
Nota: O Comandante Sayão está escrevendo um livro que conta, dentre outras coisas, a sua participação no incêndio do Andraus, bem como a descoberta pioneira da Serra do Carajás – Serra Norte, onde estão localizadas as maiores jazidas de ferro do mundo, além de ouro, manganês, cobre, níquel, cassiterita, dentre outros minerais importantes e valiosos, da sua atuação em Serra Pelada, e, também nas atuações na Guerrilha do Araguaia, e contando também seu trabalho na Cidade de São Paulo, como piloto de avião e de helicóptero, dentre outros temas interessantes.
O nome do livro é “Miscelânea do PCH 29”.
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