A modernização da segurança pública brasileira passa, inevitavelmente, pela capacidade de investir com eficiência, planejar com inteligência e adquirir equipamentos capazes de sustentar a crescente complexidade das missões realizadas por órgãos policiais, de bombeiros, perícia e defesa civil. Dentro desse cenário de necessidades crescentes e orçamentos frequentemente subaproveitados, o Programa Compra SUSP surge como uma das iniciativas mais transformadoras já implementadas no Sistema Único de Segurança Pública.

Durante o ENAVSEG 2025, o Tenente-Coronel BMRS Márcio Homem, Coordenador-Geral de Licitações e Contratos do Fundo Nacional de Segurança Pública, apresentou uma palestra esclarecedora sobre como a centralização estratégica das compras pode reduzir custos, padronizar processos, democratizar o acesso aos recursos e acelerar entregas — inclusive para a aviação de segurança pública, uma das áreas mais sensíveis e financeiramente exigentes do SUSP.

Assista ao vídeo da palestra no final deste artigo.


O Sistema Único de Segurança Pública e a crise histórica das aquisições

Criado em 2018, o SUSP nasceu para integrar instituições e promover ações coordenadas entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No entanto, embora o sistema tenha unificado diretrizes e políticas, a execução financeira continuou fragmentada.

Historicamente, as corporações conviveram com:

  • modelos licitatórios pesados e lentos;
  • falta de especialistas em compras dentro das instituições;
  • dependência de centrais de licitações generalistas;
  • dificuldade em alinhar o planejamento estratégico estadual às políticas públicas federais;
  • risco constante de perda de recursos por incapacidade de executar convênios.

Para a aviação de segurança pública, esses gargalos são ainda mais críticos: trata-se de equipamentos de alto valor agregado, com inspeções regulamentadas, demandas logísticas específicas e necessidade de configuração padronizada para garantir segurança, interoperabilidade e continuidade operacional.


O nascimento do Compra SUSP: eficiência, padronização e escuta técnica

Diante desse cenário, em 2020 o Ministério da Justiça e Segurança Pública instituiu o Compra SUSP, um programa estruturado para centralizar aquisições na SENASP, reduzir a carga burocrática dos estados e, principalmente, democratizar o acesso ao investimento federal.

Diferentemente de experiências anteriores — onde a União comprava equipamentos sem diálogo com os estados — o Compra SUSP reformula completamente o processo, garantindo:

1. Escuta ativa das instituições

Representantes de todos os estados participam da definição do catálogo de objetos, requisitos técnicos mínimos e prioridades. Hoje, 135 especialistas de PMs, CBMs, PCs, perícias e secretarias estaduais compõem grupos de trabalho permanentes.

2. Padronização inteligente

A padronização não define marca ou modelo, mas requisitos mínimos operacionais.
Para a aviação, isso representa um salto de qualidade, pois permite exigir:

  • compatibilidade de sistemas,
  • interoperabilidade entre unidades,
  • requisitos técnicos uniformes,
  • manutenção dentro de padrões homologados.

3. Ata de Registro de Preço Nacional

Um dos elementos mais revolucionários: uma única ata, válida para todos os estados, obriga a indústria a entregar equipamentos do Amapá ao Rio Grande do Sul, com os mesmos padrões, prazos e garantias. Isso elimina desigualdades logísticas e reduz significativamente os preços. Em alguns casos, reduções superiores a 30% foram registradas.

4. Integração com emendas parlamentares

O sistema permite que parlamentares visualizem diretamente as demandas dos estados, acelerando o repasse de emendas e diminuindo drasticamente o tempo de entrega — um ganho estratégico para unidades aéreas que dependem de prazos rígidos para renovação ou manutenção de frota.


O impacto direto para a aviação de segurança pública

Embora o programa seja amplo, várias consequências práticas impactam diretamente as unidades aéreas:

• Equipamentos padronizados e interoperáveis

Operadores dos Corpos de Bombeiros ou unidades aeropoliciais podem deslocar-se a outros estados em operações inter-regionais utilizando equipamentos padronizados — reduzindo curva de aprendizagem e aumentando eficácia.

• Economia que permite ampliar a operacionalidade

Com a redução de custos em insumos gerais de segurança pública (viaturas, EPI, equipamentos operacionais), estados podem realocar recursos próprios para:

  • aquisição de novas aeronaves,
  • modernização de aviônicos,
  • contratação de treinamentos de pilotos,
  • expansão de bases aéreas,
  • compra de drones e sistemas de imageamento.

• Aceleração das entregas via SENASP

Um convênio estadual leva, em média, 3 anos para ser executado, via Compra SUSP, uma emenda parlamentar pode resultar em entrega de equipamento em 8 meses, ou menos — especialmente relevante quando se trata de itens críticos para operações aéreas de resgate e policiamento.


Bombeiros: case de sucesso e modelo para outras áreas

A primeira instituição a aderir completamente ao modelo foi o Corpo de Bombeiros Militar, por meio da LIGABOM (Liga Nacional dos Corpos de Bombeiros Militares). O resultado imediato:

  • 13 atas nacionais de referência, incluindo autobombas, equipamentos florestais, respiradores, entre outros;
  • R$ 150 milhões aplicados via BNDES em unidades do Cerrado e do Pantanal;
  • aquisição ágil, padronizada e adequada a cada realidade regional.

Esse modelo tende a ser expandido para outros segmentos, incluindo aviação, drones, sistemas embarcados e equipamentos especializados.


Números que revelam a dimensão da transformação

Em apenas dois anos, o Compra SUSP gerou resultados que antes eram impensáveis:

  • 141 atas de registro de preço vigentes, abrangendo itens de todas as áreas da segurança e defesa civil.
  • Crescimento exponencial de execução de emendas:
    • 2022: R$ 7 milhões
    • 2023: R$ 92 milhões
    • 2024: R$ 200 milhões
    • 2025 (previsto): R$ 832 milhões

O programa inverteu a lógica histórica: em vez de estados com dinheiro e sem capacidade de licitar, agora há estados com acesso facilitado a compras estratégicas, com transparência, economicidade e escala nacional.


Conclusão: uma nova era para as compras de segurança pública

A palestra do Tenente-Coronel Márcio Homem deixa claro que o Compra SUSP não é apenas um sistema de compras. Trata-se de:

  • uma política de Estado,
  • um mecanismo de equalização técnica entre os entes federativos,
  • uma ferramenta de democratização do acesso a equipamentos, e
  • um caminho para fortalecer a interoperabilidade — princípio fundamental para a aviação de segurança pública moderna.

Se a aviação de segurança pública alcançou níveis inéditos de profissionalização nos últimos anos, o Compra SUSP representa o próximo passo: uma base estruturada, transparente e compartilhada para que aeronaves, equipamentos embarcados, EPIs, viaturas de apoio e tecnologias avancem com padronização, custo reduzido e planejamento integrado.

O resultado final é claro: mais capacidade operacional, mais integração entre as forças e maior segurança para a população.