Felipe Karim da Silva Shiro
Michael Ferreira Berbel
O modelo de contrato de gestão aplicado à aviação pública tem transformado a forma como as Unidades de Aviações Públicas administram suas frotas aéreas. Pioneiro no Brasil, o Centro Integrado de Operações Aéreas (CIOPAER-MT) implantou esse sistema inicialmente para o abastecimento de aeronaves e, posteriormente, estendeu sua utilização à manutenção e à aeronavegabilidade. O resultado tem sido uma gestão mais eficiente, econômica, transparente e segura, consolidando-se como referência nacional.
Contexto e Origem do Modelo
O contrato de gestão na aviação pública surgiu da necessidade de permitir que as aeronaves pudessem abastecer em qualquer localidade onde houvesse postos de combustível. Antes de sua adoção no Mato Grosso, a contratação direta com distribuidoras impunha severas limitações operacionais, pois esses contratos abrangiam apenas aeroportos de grande e médio porte, impedindo o abastecimento em postos de bandeira branca. Muitas vezes, mesmo existindo um pequeno posto local apto a fornecer combustível, era necessário deslocar um caminhão-tanque até a operação, aumentando custos e reduzindo a eficiência.
Em 2016, o CIOPAER-MT, de forma pioneira, adaptou para a aviação o modelo já utilizado em frotas de veículos oficiais: contratos de abastecimento por rede credenciada, com gerenciamento informatizado e controle por cartões magnéticos, proporcionando maior agilidade, rastreabilidade e transparência ao processo, resolvendo um dos principais gargalos logísticos enfrentados pelas operações no estado.
Outro benefício relevante desse sistema foi a possibilidade de adquirir o combustível de aviação pelo preço praticado no mercado local. No modelo anterior, firmado diretamente com as distribuidoras, o valor do litro era fixo e, na maioria das vezes, superior ao preço comercializado nos postos onde as aeronaves operavam. Com a adoção da rede credenciada, passou-se a pagar o valor real de mercado, o que resultou em significativa economia no custo da hora voada.
Com o tempo, o modelo foi expandido e passou a ser aplicado em outras áreas da administração pública, como manutenção de veículos, manutenção predial, locação de máquinas, fornecimento de medicamentos e diversos serviços de apoio. O sistema funciona mediante o gerenciamento eletrônico das atividades operacionais por uma empresa especializada, enquanto o Estado permanece responsável pela fiscalização e pelo controle. A empresa gerenciadora administra uma rede de prestadores credenciados, centralizando as demandas e otimizando o uso dos recursos. Esse arranjo permite obter cotações simultâneas em diferentes fornecedores para o mesmo serviço ou item, ampliando a competitividade e a eficiência das contratações. Embora o modelo exija cautela, ele é admitido de forma excepcional, desde que tecnicamente justificado e submetido a rigorosos mecanismos de controle.
Diferença entre Contrato Tradicional e Contrato de Gestão
A principal diferença entre um contrato tradicional e o modelo de gestão está no objeto e na forma de execução. Enquanto o contrato tradicional prevê a prestação direta de um item ou serviço por uma única empresa, o modelo de gestão tem por finalidade administrar, de forma informatizada, uma rede credenciada de fornecedores e prestadores. Esse arranjo amplia as alternativas de atendimento, aumenta a concorrência e, consequentemente, favorece a economicidade.
Os Tribunais de Contas reconhecem a legalidade desse modelo, desde que demonstradas sua vantajosidade, eficiência e economicidade. As justificativas devem constar no planejamento da contratação, e a execução deve ser acompanhada de perto pelos órgãos de controle. Avaliam-se critérios como comprovação de vantagem frente à terceirização direta, clareza de responsabilidades do contratado e sua rede credenciada, transparência na definição da taxa de administração e robustez no sistema de gerenciamento.
Na prática, o modelo simplifica o processo administrativo ao eliminar a necessidade de firmar contratos individualizados com cada posto de combustível ou fornecedores necessários à operação aérea. Um único contrato com a empresa gestora — responsável por manter uma ampla rede credenciada — assegura maior agilidade e padronização das contratações.
O Contrato de Gestão aplicado à Manutenção Aeronáutica
A mesma lógica se aplica à manutenção aeronáutica, permitindo que as aeronaves sejam atendidas por diferentes oficinas credenciadas, conforme suas necessidades específicas, abrangendo motores a pistão, turboeixo e turbina.
Antes de implementar o modelo, o administrador público deve analisar o histórico de contratações anteriores, os impactos na fiscalização, a eficiência operacional e o custo-benefício, garantindo que a adoção da inovação seja efetivamente vantajosa e alinhada ao interesse público.
Apesar das vantagens logísticas e operacionais, o contrato de gestão também impõe responsabilidades ampliadas ao gestor público, ao fiscal do contrato e à empresa gerenciadora. Todas as transações devem observar rigorosamente os princípios que regem as contratações públicas, com destaque para a economicidade, a isonomia, a motivação e a transparência. O sistema disponibilizado pela gestora deve permitir consultas de preços dentro da rede credenciada, mas, para assegurar conformidade e vantagem real para a Administração, é obrigatória a comparação com valores de mercado obtidos em fontes oficiais, tabelas setoriais e orçamentos externos.
No modelo atualmente adotado pelo CIOPAER-MT, se a pesquisa de mercado demonstrar que um prestador ou fornecedor fora da rede oferece melhor condição técnica ou econômica, o serviço pode ser executado externamente, com pagamento realizado pela própria empresa gestora, desde que a escolha seja devidamente justificada, documentada e autorizada pelo fiscal do contrato. A decisão final, portanto, permanece sempre sob responsabilidade da Administração Pública, que deve fundamentar tecnicamente a opção, garantindo a observância do interesse público e a integridade do processo decisório.
Outro princípio que deve ser rigorosamente observado é o do chamamento público. A empresa gestora deve realizar convocações formais para que empresas do ramo possam se credenciar livremente, garantindo isonomia e competitividade. Além disso, a contratante pode indicar empresas interessadas em integrar a rede, desde que atendam aos requisitos técnicos e documentais estabelecidos.
Atualmente, praticamente todas as unidades federativas já utilizam contratos de gestão para abastecimento, e cresce o número de estados que adotam o modelo também para manutenção e aeronavegabilidade. Desde 2021, o CIOPAER/MT utiliza contrato que abrange manutenção de aeronaves e aeronavegabilidade com diferentes tipos de motores, sistemas de navegação, serviços aeroportuários, pintura, capacitação de pilotos, serviços de despachantes, apoio de solo, aquisição de equipamentos, tarifas aeroportuárias e outros serviços essenciais. Um contrato único que evita a pulverização do objeto, reduz o número de licitações, assegura planejamento eficiente e garante continuidade operacional.
Esse modelo permitiu ao CIOPAER/MT realizar manutenções em aeronaves a pistão e turboeixo em sua própria sede, no Aeroporto Marechal Rondon, em Várzea Grande, o que anteriormente ocorria quase sempre fora do estado. A intermediação da gestora proporcionou segurança financeira às oficinas e regularidade nos pagamentos, ampliando a confiança do setor privado e reduzindo custos com deslocamentos, passagens e diárias. As garantias seguem os prazos legais e as normas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Outro problema solucionado pelo modelo foi o pagamento de tarifas aeroportuárias em aeródromos concedidos à iniciativa privada, nos quais as aeronaves públicas não possuem isenção e, portanto, devem arcar integralmente com taxas de pouso, permanência e utilização de infraestrutura. Além disso, o sistema possibilitou a contratação ágil e padronizada de serviços de handling necessários para voos e pernoites fora de base — como apoio de solo, estacionamento, deslocamento de equipamentos, energia externa e serviços auxiliares — garantindo continuidade operacional.
Fluxo de Execução, Pagamento e Controle
A execução, a administração e a prestação de contas do contrato seguem um fluxo previamente estruturado, garantindo controle integral e rastreabilidade sobre a aplicação dos recursos públicos. À empresa contratada cabe disponibilizar a plataforma tecnológica utilizada para registrar todas as operações, organizar os empenhos — relativos à contratação de serviços, aquisição de materiais ou realização de investimentos — e consolidar as informações de execução. A fiscalização e a gestão efetiva, entretanto, permanecem sob responsabilidade do fiscal do contrato e de sua equipe técnica, que monitoram cada etapa da execução, validando serviços, documentos e conformidade contratual.
O fluxo de pagamento é desenhado para assegurar simplicidade, precisão e transparência. A prestação de contas ocorre por meio de dois documentos principais: a Nota Fiscal Eletrônica (NFS-e), referente ao serviço de gerenciamento, cujo valor corresponde à taxa administrativa prevista no contrato e aplicada sobre o total das despesas mensais; e a Fatura Mensal, que apresenta o reembolso de todos os gastos operacionais realizados, comprovados por notas fiscais emitidas pelos prestadores credenciados. Esses documentos são anexados aos respectivos processos de pagamento, permitindo o rastreamento individualizado das despesas e a conferência completa dos valores executados. O repasse à rede credenciada é efetuado pela empresa gestora conforme as condições estabelecidas no contrato e nos acordos firmados com cada fornecedor integrante da rede.
Todo o sistema é concebido para garantir elevada transparência, controle e rastreabilidade. A plataforma disponibiliza aos gestores e fiscais, em tempo real, informações sobre empenhos, saldos, serviços executados, comprovantes, valores reembolsados e etapas de pagamento. Esse monitoramento contínuo possibilita uma gestão eficiente, técnica e responsável dos recursos públicos vinculados ao contrato, fortalecendo a governança e reduzindo riscos operacionais e financeiros.
Debates Jurídicos Recentes
Recentemente, houve um debate jurídico em torno do Pregão Eletrônico nº 043/2025/SESP-MT, destinado à contratação de gerenciamento de frota de aeronaves, fins de conservação da aeronavegabilidade das aeronaves e manutenção das operações aeronáuticas da frota aérea da SESP e do Corpo de Bombeiros Militar, ilustrando a resistência ainda existente ao modelo por uma minoria de empresas de manutenção de aeronaves.
No entanto, ao analisar a Representação de Natureza Externa — Processo nº 207.090-1/2025 —, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) reconheceu a adequada modelagem do certame, destacando que o objeto não se limita à gestão de recursos, mas envolve a administração de um sistema de gestão que utiliza uma rede credenciada para execução de serviços altamente especializados. O TCE-MT validou o modelo, ressaltando sua legalidade e vantajosidade, desde que observados os controles necessários.
Da mesma forma, a 5ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá indeferiu, em decisão liminar, o pedido formulado no mandado de segurança (Processo nº 1114048-72.2025.8.11.0041) que buscava suspender o mesmo pregão. O magistrado concluiu que, nessa fase preliminar, não havia demonstração de ilegalidade no modelo adotado, ressaltando que a Lei nº 14.133/2021 admite esse tipo de contratação, pois ele não se limita a uma intermediação passiva; ao contrário, envolve a prestação de serviços de gestão, controle e supervisão, afastando a configuração de quarteirização pura e simples.
Destacou, ainda, que os serviços de manutenção seriam executados por oficinas devidamente certificadas pela ANAC. Além disso, considerou o relevante interesse público envolvido, uma vez que a suspensão abrupta de um certame já concluído e com vencedor declarado poderia gerar descontinuidade na prestação de serviços essenciais e potencial prejuízo à coletividade. Diante disso, entendeu não estar presente o fumus boni iuris necessário à concessão da liminar.
Conclusão
Assim, o contrato de gestão na aviação pública vem se consolidando como um instrumento estratégico de governança, eficiência e economicidade, destinado a garantir a plena operacionalidade da frota aérea. No CIOPAER-MT, o modelo não apenas racionalizou o uso de recursos, ampliou a disponibilidade das aeronaves, simplificou processos e deu maior agilidade às contratações, como também fortaleceu a transparência e a confiança institucional. A experiência mato-grossense evidencia que é possível conciliar inovação, controle, flexibilidade e responsabilidade, tornando o contrato de gestão uma referência para a modernização da administração pública no país.
Autores:
Maj BM Shiro é Comandante de Aeronave e Chefe da Seção Administrativa do CIOPAER-MT, [email protected]
Maj PM Ferreira é Comandante de Aeronave e Chefe da Seção de Controle de Demandas, Contratos e Licitações do CIOPAER-MT, [email protected]
Enviar comentário