Em 28 de agosto de 2023, um helicóptero modelo Airbus EC135 vinculado ao Broward County Sheriff’s Office (BSO) partiu de Pompano Beach Airpark para executar uma missão de transporte aeromédico. Pouco após a decolagem, uma falha crítica levou a um incêndio em voo que culminou no impacto da aeronave contra um edifício residencial, resultando em mortes e feridos.

O relatório final da National Transportation Safety Board (NTSB) foi recentemente divulgado, oferecendo lições importantes para operadores de resgate aeromédico (HEMS).

Este artigo discute os principais achados do relatório, identifica falhas críticas e apresenta as recomendações de segurança apontadas no relatório final do acidente, com o propósito de mitigar riscos semelhantes em operações de resgate aéromédico.

Contexto do acidente

O helicóptero EC135 decolou às 08h44 local, com destino a transportar vítima de acidente automobilístico. Aproximadamente 1 minuto após a decolagem, o sistema de controle eletrônico de motor (Electronic Engine Control, EEC) reportou uma falha no motor esquerdo (motor “No. 1”).

O piloto tentou reduzir a potência no motor afetado, declarou situação de emergência e iniciou retorno ao aeroporto.

Apesar da redução de potência pelo piloto, o fluxo de combustível para o motor não cessou devido à falha no sistema de controle, o que favoreceu o desenvolvimento de fogo externo ao compartimento do motor.

O fogo manifestou-se fora do compartimento de motores (fora da proteção das “firewalls”), o que impediu que os sistemas de supressão internos atuassem de forma eficaz.

O piloto percebeu um segundo “estrondo” e perdeu o controle da aeronave. A estrutura da cauda (tail boom) se separou, e a aeronave entrou em rotação até colidir com um prédio ao sul do aeroporto.

Dois ocupantes sofreram fatalidades: o comandante da aeronave e uma moradora do edifício atingido. Um terceiro ocupante foi gravemente ferido.

Principais conclusões do relatório NTSB

O NTSB determinou que o incêndio em voo teve origem fora dos limitadores protetores do compartimento motriz, e possivelmente foi consequência de superaquecimento do motor n.º 1 por razões indeterminadas.

As hipóteses levantadas do acidente foram:

  • Detritos externos (foreign object debris, FOD) que entraram na admissão de ar do motor, restringindo a entrada e provocando aquecimento excessivo.
  • Bloqueio da admissão de ar (air inlet blockage) por substâncias ou obstruções externas, reduzindo o fluxo normal de ar e provocando sobretemperatura.
  • Ingestão de gases quentes ou fluidos combustíveis, que poderiam ter afetado partes vulneráveis do motor e desencadeado a ignição.

O relatório reconhece que, após o impacto, houve incêndio pós-colisão, o que danificou evidências e limitou a capacidade de determinar de forma conclusiva a origem exata da falha de superaquecimento.

Deficiências nas respostas aos alertas

A falha do sistema EEC deveria ter gerado alertas no cockpit, mas o piloto não recordou nenhum aviso visual ou de alarme correspondente.

Como o fogo ocorreu fora dos firewalls, os sistemas de detecção e supressão de incêndio internos não foram acionados nem foram eficazes para extinguir as chamas.

Embora o piloto tenha afirmado ter acionado o botão de combate a incêndio (fire button), os investigadores concluíram que não havia evidência de que esse botão tenha sido efetivamente pressionado.

Sequência de falhas determinantes do acidente

  • Falha no EEC / sistema de controle do motor sem causa conclusiva
  • Incêndio externo ao compartimento motriz
  • Ineficiência da supressão de fogo (dada a posição do incêndio)
  • Perda de controle final (separação da cauda)

Lições para operações HEMS / resgate aeromédico

Este acidente — embora fora do Brasil — oferece insights cruciais para operadores aeromédicos. A seguir, algumas reflexões e recomendações adaptadas ao contexto do setor:

1. Monitoramento e alerta dos motores

É essencial que o EEC (ou sistemas equivalentes) disponham de alertas redundantes e visuais/sonoros distintos para falhas de controle de motor, e que sejam testados periodicamente para confirmar seu funcionamento correto.

Treinamento em cenários de falha de controle deveria reforçar reações do piloto mesmo na ausência de alertas, avaliando sinais indiretos como comportamento anômalo de temperatura ou vibrações.

2. Inspeção e manutenção das entradas de ar

Procedimentos rigorosos de inspeção para sistemas de admissão de ar são imprescindíveis, com atenção especial a detritos, bloqueios ou acúmulo de partículas.

Em ambientes com poeira, areia ou detritos (especialmente em operações aeroportuárias ou helipontos próximos a obras), consideração de protetores de admissão ou filtros adicionais pode ser avaliada.

3. Projeto e posicionamento de sistemas de supressão de fogo

O fato de o fogo ter ocorrido externamente ao compartimento motor evidencia um risco: sistemas de supressão devem contemplar cenários extracompartimento quando possível.

Redundância no sistema de isolamento de combustível (shut-off valve) e ação rápida do piloto são fundamentais para interromper o aporte imediato de combustível a áreas externas em chamas.

4. Procedimentos operacionais de emergência

Em situações com possível incêndio em voo, a decisão entre retorno ao aeroporto versus pouso forçado fora de pista precisa levar em conta visibilidade de fogo, comportamento da aeronave e densidade populacional.

Simulações e treinamentos regulares de emergências com falha nos motores + fogo devem incluir casos “silenciosos” (sem alertas explícitos) para preparar a tripulação para cenários não ideais.

4. Cultura de segurança e aprendizado

Toda operação aeromédica deve incorporar os aprendizados deste tipo de relatório em suas análises de risco e treinamentos, promovendo cultura de compartilhamento de lições entre equipes regionais e internacionais.

Checklists pós-voo e programações de manutenção preventiva devem ser revisadas à luz de descobertas de acidentes como esse, mesmo que em outras jurisdições.

Considerações finais

Embora o relatório não tenha conseguido determinar a causa exata do superaquecimento do motor, ele delineou um cenário em que uma falha de controle unida à manifestação de incêndio externo criou uma “janela de vulnerabilidade” fatal para a missão.

Para o segmento de resgate aeromédico, a mensagem é clara: não basta depender somente dos sistemas internos — a variabilidade do ambiente operacional exige robustez, redundância e preparo das tripulações para agir sob incerteza.